Foi há 50 anos.
O primeiro acto revolucionário, “E depois do Adeus”.
O segundo acto revolucionário, “Grândola Vila Morena”.
O terceiro acto revolucionário, os jornais vespertinos de Lisboa (República, Diário de Lisboa, Diário Popular e Capital) não enviam provas à censura e saem para a rua sem a obrigatória frase visado pela comissão do Exame Prévio (a Lei de Imprensa de 1971 tinha substituído a censura pelo exame prévio).
As Emissoras de Rádio (Emissora Nacional, Rádio Renascença, Rádio Clube Português, Emissores Associados de Lisboa, Emissores do Norte Reunidos, Rádio Altitude, Clube Asas do Atlântico e Rádio Clube de Angra) transmitia música e comunicados do MFA; na RTP, única televisão em Portugal, o mesmo cenário, música e comunicados.
As notícias estavam nos jornais e para alguns mais curiosos ou afortunados nas ondas da BBC e da Rádio Nacional de Espanha/TVEspanhola.
Mesmo assim as notícias levaram muitos dias a chegar fora das maiores cidades portuguesas, aos Açores e à Madeira, ao extenso complexo militar do dispositivo das Forças Armadas em África, na Ásia e na Oceânia.
As ondas da rádio e televisão levavam até menos de metade dos lares portugueses os seus programas, que no caso da Televisão tinha menos de 12 horas de emissão por dia, e os cafés eram o refúgio de quem queria ver TV e não podia pagar o preço nem a taxa.
Os jornais não foram ocupados pelos revoltosos, mas foram “invadidos” pelos jornalistas que deixaram de escrever para a Censura.
Fora de Lisboa e do Porto, mesmo nas cidades que tinham jornais diários como era o caso de várias capitais de Distrito (Coimbra, Évora, Braga Ponta Delgada, Funchal e mais umas poucas) as notícias chegavam a conta-gotas e quase sempre vindas de Lisboa, aonde tudo se continuava a passar.
Jornais mantiveram-se firmes
No Alentejo as primeiras fotografias publicadas em dois jornais diários (Évora e Beja) datam de 29 e são as duas idênticas e únicas, com as notícias locais ainda muito vagas, e em Portalegre a difusão noticiosa e jornalística é ainda mais lenta, pois a Rabeca e o Distrito limitam se a publicar os comunicados do MFA, primeiro, e da Junta de Salvação Nacional, depois.
A Revolução e a Democracia portuguesa tiveram avanços e recuos, nas mais diversas direcções ideológicas e organizativas, mas os jornais portugueses, os maiores e os mais pequenos, mantiveram se firmes na sua missão de informar jornalisticamente e por isso é mais do que justo o reconhecimento de que mais do que ser um Pilar da Democracia, os jornais, a imprensa portuguesa, independentemente do suporte, hoje cada vez mais digital, a Imprensa Portuguesa no conjunto dos Editores, Directores e Jornalistas são um Pilar da Sociedade Portuguesa.
Não fora assim não registaríamos em 200 anos de regime Democrático que apenas se estruturaram quatro leis de imprensa (desde 1821), é certo que com diferentes adaptações à medida que o quadro constitucional evoluía, mas os princípios são idênticos – liberdade na edição e responsabilidade nos conteúdos – e foram reafirmados em quatro ocasiões diferentes. Esta é a primeira e mais estável conquista de Abril e a responsabilidade da sua consideração é de todos, cidadãos, políticos, jornalistas e editores.
É também uma afirmação internacional que fez com que o congresso mundial que reconheceu que o jornalismo era uma profissão com ética e deontologia próprias, mais do que uma actividade, aconteceu em Lisboa em 1903.
É a necessidade de reforçar esse pilar, mais do que nunca, que faz com que a memória seja um dos mais importantes acervos dos jornais; diferentemente das rádios e das televisões (dos blogues!). Reconhecidas pelas suas siglas, os jornais desde sempre incluíram no seu nome o onde, o quando e porquê.
Sempre a voz inquieta
Assim nasceram diários, semanários, quinzenários, de Lisboa, do Porto, de Coimbra, do norte ou do sul, mensageiro, correio; tornaram se cidadãos de pleno direito como o Sesimbrense ou o Porto Santense, mas, sobretudo, foram sempre a voz inquieta de quem noticiando acredita estar a contribuir para um mundo socialmente mais justo através da difusão da cultura e da ciência, do conhecimento dos factos, da discussão das ideias.
Tudo isto está nas memorias das edições dos jornais e, mesmo os mais recentes como o Campeão das Províncias, a chegar ao seu quarto de século em Coimbra, tem um passado de memória e luta nas Províncias, termo que foi colocado em 1861 no seu título de Campeão para alargar horizontes do Vouga, tornando-se assim no primeiro jornal de Aveiro com longa vida (até 1924) e lembrando as Províncias Europeias do que até há pouco tempo chamámos de Holanda, de Erasmo ou Espinosa.
Pelas suas páginas passou, em Portugal, toda a elite política das Províncias do Centro, Luciano de Castro, Teixeira de Queiroz, Tomas Ribeiro, Rangel Oudinot ou Bento Magalhães, para só mencionar alguns contemporâneos de José Estevão, que asseguram a matriz de luta pelo jornalismo e pela notícia, o desempenho deste mais recente Campeão que agora concluiu 24 anos de uma nova lura democrática, sempre na memória dos pergaminhos do seu antecessor.
Que diriam Esteves, Magalhães, Oudinoit ou Queiróz se lhes dissemos que, agora no século XXI, os cidadãos leem jornais sem papel?
Aposto que, apenas, as notícias, as ideias, os valores estão lá?
Estão nesse artefacto a que chamam de Telemóvel? Então nos que também querem escrever para lá, para o nosso Campeão que, nesse tempo que aí vem, está a manter a marca das nossas e das vossas memórias, das nossas e das vossas convicções!
Parabéns ao Campeão das Províncias (e a todos os seus colaboradores e dirigentes), 24 anos a publicar em Coimbra depois de 63 anos a marcar Aveiro.
(*) Promotor cultural e analista de media, ex-Presidente da Associação Portuguesa de Imprensa