A uma distância de 11,9 anos-luz, a estrela Epsilon Indi (ε Indi) é uma anã laranja (também conhecida por anã K), com 71% do diâmetro do Sol. Uma equipa internacional1, liderada pelo investigador do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA), Tiago Campante, estudou esta estrela com o espectrógrafo ESPRESSO, montado no Very Large Telescope (VLT), do Observatório Europeu do Sul (ESO) e detectou3 os mais pequenos “sismos estelares” alguma vez registados.
A equipa usou uma técnica denominada asterossismologia4, que mede as oscilações das estrelas. Estas dão vislumbres indirectos do interior das estrelas, de forma análoga aos terramotos, que fornecem detalhes do interior da Terra. Na estrela ε Indi, a amplitude máxima das oscilações detectadas é de apenas 2,6 centímetros por segundo (cerca de 14% da amplitude das oscilações no Sol), o que a torna a mais pequena e mais fria estrela anã observada até hoje onde se confirmaram oscilações do tipo solar.
Estas medições são tão precisas que a velocidade detectada é menor do que a velocidade média de uma preguiça! “O nível de precisão extremo destas observações é uma notável façanha tecnológica. Mais do que isso, esta detecção mostra, de forma definitiva, que é possível aplicar asterossismologia de precisão a estrelas anãs, com temperaturas à superfície tão baixas como 4200 graus Celsius, cerca de mil graus mais frias do que a superfície do Sol, o que abre um novo domínio na astrofísica observacional”, comenta Campante, líder do grupo de investigação “Rumo a um estudo abrangente de estrelas” do IA e professor auxiliar no Dept. de Física e Astronomia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (DFA–FCUP).
Este nível de precisão poderá ainda ajudar os investigadores a resolver um diferendo entre teoria e observações, que se refere à relação entre a massa e o diâmetro destas estrelas anãs frias. “Sabemos que os modelos de evolução estelar subestimam o diâmetro das anãs K por um factor de 5-15%, quando comparado com o diâmetro obtido por métodos empíricos. O estudo das oscilações nas anãs K, recorrendo à asterossismologia, vai ajudar a identificar as lacunas nos atuais modelos estelares e assim melhorá-los, para que se possa eliminar esta discrepância”, explica a investigadora do IA Margarida Cunha.
Estes “sismos estelares” podem agora ser usados para ajudar no planeamento do telescópio espacial PLATO, da Agência Espacial Europeia (ESA), uma missão com forte envolvimento do IA. As oscilações medidas neste estudo podem ser convertidas em amplitudes em fotometria, tal como as que serão medidas pelo PLATO, o que será uma peça-chave para prever o potencial asterossísmico da missão, com lançamento previsto para 2026.
Apesar de algum cepticismo inicial que estas oscilações pudessem estar para lá da capacidade dos instrumentos actuais, Mário João Monteiro (IA & DFA-FCUP) explica: “Depois de detectar oscilações do tipo solar em ε Indi, temos agora a esperança de usar este tipo de oscilações para estudar a complexa física das camadas superficiais das anãs K. Estas estrelas são menos quentes e mais activas do que o Sol, o que faz destas importantes laboratórios para investigar fenómenos chave que se passam nas suas camadas superficiais, que nunca foram estudadas em detalhe em outras estrelas que não o Sol.”
Para explicar porquê utilizar o ESPRESSO, Nuno Cardoso Santos (IA & DFA-FCUP), líder da equipa de investigação “A detecção e caracterização de outras Terras” no IA, diz: “O espectrógrafo ESPRESSO foi desenvolvido por um consórcio internacional, co-liderado pelo IA. Os principais objectivos do ESPRESSO são detectar e caracterizar planetas pouco massivos em órbita de outras estrelas, além do estudo da variabilidade das constantes fundamentais do Universo. Este resultado mostra o potencial que o ESPRESSO tem para estudar outros casos na vanguarda da ciência”.
Como as anãs laranja e os seus sistemas planetários têm vidas longas, recentemente tornaram-se num dos principais focos na procura de planetas habitáveis e de vida extraterrestre. Este resultado mostra que a asterossismologia é poderosa o suficiente para ser potencialmente usada na caracterização detalhada deste tipo de estrelas e dos seus planetas habitáveis, com implicações verdadeiramente abrangentes. Além disso, a determinação com precisão da idade das estrelas anãs frias na “vizinhança” do Sol pode ser crítica na interpretação de bioassinaturas em planetas observados directamente.
“De cada vez que abrimos uma nova janela para a Natureza, há novas surpresas que nos levam a novas e inesperadas descobertas. ε Indi promete ser uma destas janelas, com bela vista”, comenta Mário João Monteiro.
Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço