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Semanário no Papel - Diário Online

 

Hernâni Caniço

O discurso de ódio

20 de Junho 2025

Pesquisando a inteligência artificial, o significado de “ódio” é um sentimento intenso de aversão, raiva, ou repulsa em relação a alguém ou algo, que se manifesta como antipatia, desgosto, rancor ou fúria, com o objetivo de evitar, limitar ou destruir o alvo do ódio.

Assistimos (alguns até participam) no nosso quotidiano, à prática do discurso, na ânsia de verbalização ou expressão do poder individual, muitas vezes cimentado em notícias falsas (as “fake news”), em interpretações maliciosas e capciosas de banalidades ou registo de factos, ou por pura ignorância com necessidade de extravasar frustrações, ou ainda simplesmente a destilar instintos primários subjacentes a incapacidades de socialização.

A comunicação social pode exercer uma função pedagógica, limitando a verve escorreita que evita a disseminação do discurso de ódio, e dissertando sem demagogia sobre pessoas e factos, ou pode acirrar ânimos e acontecimentos, pela divulgação, pela formulação de juízos de valor sem conhecimento real, perla repetição até à exaustão da notícia absorvida por espíritos frágeis na análise, mas violentos na execução.

Há liberdade de expressão do pensamento que custou muito a conquistar àqueles (poucos) que sobreviveram no combate à ditadura fascista e deve ser preservada, mas a violência não pode ser permitida a energúmenos e grupos de pressão, acicatados muitas vezes por políticos extremistas (em Portugal, à direita), que se servem do beneplácito da democracia para atacar os seus fundamentos.

Os recentes atos de violência no desporto (com antecedentes ancestrais) e na cultura, agredindo atores multiculturais e atacando a liberdade de criação artística, são a face mais recente dos resultados eleitorais em Portugal e da dinâmica (que não queremos seja crescente), de “fazer justiça” pelas próprias mãos, de demonstrar poder pela agressão indiscriminada ou direcionada, de amontoar ideologias, símbolos e grupos neonazis para o crime.

Há também indivíduos com perturbações mentais que distorcem a realidade da convivialidade e da sociedade organizada, ou estão traumatizados por antecedentes de prepotência e exibicionismo interpares (vítimas de bullying, por exemplo), que esconjuram a normalidade, exacerbam o facciosismo, tornam-se agressores pela vingança ou pela visão pessimista do mundo cão.

E há seres abjectos cujo destino tem de ser a aplicação da justiça, na moldura penal vigente, incluindo os crimes públicos, que são torpes nas intenções, desprezíveis nos atos que praticam, ignominiosos no ataque àqueles que detestam, sejam “amigos”, adversários, inimigos ou simplesmente concorrentes.

O discurso de ódio não pode vingar, confundindo a opinião com o interesse escondido, a crítica com a maledicência, a manifestação com a dominação, o sentimento com a agressão verbal ou física.

É o discurso de ódio que vemos repetidamente nas redes “sociais”, que acredita (ou quer acreditar) na sua verdade absoluta, que o outro está abaixo da sua linhagem, que se expressa com hostilidade latente ou manifesta, que insulta quem conhece e não conhece, que tem necessidade de ostentação e eventual usufruto, que não cuida da língua portuguesa.

“Quando ouço falar em cultura, puxo logo do revólver” é uma frase do nazi Hanns Johst, inserida no discurso de ódio, contraditória com respeito, dignidade, tolerância e amizade que devemos desenvolver. A política é um ato de cultura, segundo Maria de Lurdes Pintasilgo, mas nem sempre. A extrema direita não o segue. O povo acabará por o reconhecer.

(*) Médico e vereador do PS na Câmara de Coimbra