A introdução da Inteligência Artificial (IA) na área da saúde tem gerado um amplo debate sobre as suas implicações éticas, especialmente na Enfermagem, uma profissão que exige uma combinação única de habilidades técnicas e empatia humana. Enquanto a IA promete aumentar a eficiência, melhorar a precisão dos diagnósticos e libertar os profissionais de tarefas operacionais, a sua implementação levanta questões cruciais sobre ética, responsabilidade e a natureza do cuidado.
A Enfermagem é uma profissão profundamente enraizada na relação interpessoal, onde o cuidado e a ética desempenham papéis fundamentais. O uso da IA, que pode automatizar processos como a colheita de dados, a monitorização dos utentes e suportar a tomada de decisão clínica, traz preocupações sobre a desumanização na prestação de cuidados. À medida que as máquinas começam a assumir funções que antes eram exclusivamente humanas, surge a necessidade de abordar quais as suas implicações na qualidade dos cuidados prestados.
Os conceitos éticos fundamentais, como o respeito pela autonomia do utente e a promoção do bem-estar, devem ser considerados ao integrar a IA nos cuidados de enfermagem. Torna- se urgente refletir como os profissionais de Enfermagem podem garantir que as decisões suportadas pela IA estão alinhadas com os valores e desejos dos utentes. É imperativo que a implementação destas tecnologias respeite a dignidade e os direitos do indivíduo, evitando que a IA se torne uma barreira entre o enfermeiro e o utente. Embora sejam significativos os benefícios e avanços tecnológicos proporcionados pela IA, esta também nos traz uma série de desafios éticos, que devem ser abordados de forma cuidadosa e responsável.
Um dos desafios é a atribuição da responsabilidade e da accountability do uso da IA na tomada de decisão dos profissionais, quando são efetuadas as decisões erradas, levantando um dilema sobre quem deve recair a responsabilidade, esta adversidade destaca a importância da existência de um framework ético claro, que defina responsabilidades em cenários de cuidados assistidos por máquinas.
Acesso equitativo
Outra questão prende-se com a colheita de dados e o armazenamento de informações de saúde dos utentes através de sistemas baseados em IA, que levantam preocupações sérias sobre a privacidade e a segurança dos dados. Os enfermeiros devem garantir a proteção da informação, tendo como premissa uma responsabilidade ética inegociável que deve ser o foco na transformação digital.
No que concerne à equidade no acesso aos cuidados de saúde, a implementação desigual de IA pode levar à ampliação das disparidades existentes na saúde. Somente as instituições que possuem recursos suficientes, poderão beneficiar das tecnologias mais recentes, deixando os utentes provenientes de áreas desfavorecidas ainda mais vulneráveis. Os profissionais de enfermagem devem advogar por um acesso equitativo à tecnologia, para todos a população alvo dos seus cuidados.
Perante estes desafios, é crucial que a formação em enfermagem inclua uma sólida base em ética digital, de forma a dar resposta a este novo paradigma na enfermagem. Os futuros enfermeiros devem ser equipados não apenas com habilidades técnicas para usar a IA, mas também com a capacidade crítica para avaliar as suas implicações éticas. A IA deve ser vista como uma ferramenta que complementa o trabalho do enfermeiro, não como um substituto. A relação humano-máquina deve ser constantemente reavaliada, para garantir que o cuidado centrado no utente permaneça no centro do processo.
A incorporação da Inteligência Artificial na enfermagem representa uma oportunidade significativa, para reformular e melhorar a prática assistencial dos cuidados. No entanto, essa transformação deve ocorrer com uma consciência ética clara, que leve em consideração os princípios fundamentais da profissão. Assim, a discussão ética sobre o uso da IA em enfermagem, deve ser continuamente alimentada, garantindo que o objetivo final seja sempre a melhoria da qualidade em saúde e do bem-estar dos utentes, respeitando a essência do cuidado humano. A série de dilemas que a tecnologia nos apresenta, convoca a ciência da enfermagem a ser não apenas um campo de conhecimento, mas também uma voz ativa na construção de uma prática que respeite os valores humanos fundamentais, num mundo cada vez mais digital.
(*) Vogal Conselho Directivo Regional da Secção Regional Centro da Ordem dos Enfermeiros