Dia/Hora: Domingo, à tarde, cerca das 16h00
Havia habitualmente 3 ou 4 caixas com atendimento presencial onde se podia pagar com dinheiro e com cartão. Adicionalmente, havia 3 ou 4 pontos de pagamento em regime self service e só com base no cartão.
No dia indicado, havia apenas 2 caixas com atendimento pessoal sem que estivessem a funcionar.
Havia também 7 ou 8 caixas self service, e apenas numa delas se permitia o pagamento em dinheiro.
Nesse momento, 3 ou 4 trabalhadores que em vez de se acharem nas caixas com atendimento presencial, andavam a pressionar os clientes de forma bastante insistente, diria até demasiado e inaceitavelmente insistente, para pagar com cartão.”
Confrangedor!
Quando as políticas de empresa e os que nelas “embarcam” adoptam um tal figurino, perguntamo-nos se os seus ‘executores’ já se deram conta de que, não tarda, serão removidos dos seus postos de trabalho porque de todo dispensáveis?
As máquinas farão o que lhes competiria…
A pretensa substituição do dinheiro com curso legal pelo digital (pelos cartões de pagamento) redundará decerto em apreciável redução dos quadros de pessoal com reflexo na situação dos que protagonizam tais estratégias.
Os trabalhadores que “enxotam” os clientes para o digital (como que embargando o passo a quantos pretendam usar as suas prerrogativas de pagar em dinheiro…) estarão, isso sim, a “cavar a própria sepultura” e a servir de instrumento a que se não cumpra a lei: e podem, a esse título, tornar-se responsáveis à luz dos preceitos em vigor…
Um tal comportamento subsume-se, desde logo, na moldura das práticas comerciais desleais. Pelo assédio que lhe subjaz, é qualificada como agressiva:
“É agressiva a prática comercial que, devido a assédio, coacção ou influência indevida, limite ou seja susceptível de limitar significativamente a liberdade de escolha ou o comportamento do consumidor em relação a um bem ou serviço e, por conseguinte, conduz ou é susceptível de conduzir o consumidor a tomar uma decisão de transacção que não teria tomado de outro modo.”
Tais práticas encaixam-se nas contra-ordenações económicas graves: as coimas oscilam entre 12.000 e 24.000 € (grandes empresas).
Inequívocas as directrizes da Comissão Europeia;
Deve ser a regra – a regra, que não a excepção – nas transacções no comércio retalhista.
As notas de banco de valor elevado devem ser aceites como meio de pagamento nas transacções no comércio retalhista.
Recusa só possível quando fundamentada em razões ligadas ao «princípio de boa fé» (p. e., o valor nominal da nota apresentada é desproporcionado ante o montante devido ao credor).
Não devem ser impostas sobretaxas aos pagamentos com notas e moedas em euros.
Regras tão elementares não podem ser afastadas do tráfego jurídico corrente.
Há, por razões de outra ordem, limitações ao pagamento de montantes superiores a 3.000 €.
Procedimentos que redundem na recusa ou na pressão para que se pague mediante cartão são ilícitos e devem ser objecto de reprovação geral.
Este registo tem de merecer do Banco de Portugal uma tomada de posição em afirmação dos princípios que, face à lei, tem obviamente de sufragar.
Vai mal a coisa quando tudo se deixa ao livre alvedrio das empresas que descolam da lei, vá-se lá saber em obediência a que desígnios…
(*) Presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO – Portugal