Passado o período de silêncio, temos novo governo. E não deixa de ser curiosa a duplicidade de tratamento que daqui ressalta. Até à queda do governo do PS, o silêncio era falta de transparência. Mas agora é recato. Se o governo fosse do PS, haveria um clamor sobre um “governo de partido”, “não aberto à sociedade”, em que a tão elogiada “experiência política” seria vista como algo negativo.
Empossado que está, é bom salientar aquilo a que a composição parlamentar inexoravelmente aprisionada o novo governo: por muito que Luís Montenegro o apresente como um “governo de combate”, este terá que ser necessariamente um “governo feito de alianças”, sob pena de se tornar ele próprio uma força de bloqueio.
Nesse sentido, passada a dramatização encetada, é positiva a vontade manifestada em procurar um diálogo parlamentar alargado em matérias relacionadas com o sistema de justiça e com o combate à corrupção. Abertura essa que, contudo, contem em si a semente de um erro: manifestar nestas matérias igual abertura tanto para com PS, IL, BE, Livre, PCP e PAN, como para com o Chega, é continuar a normalizar o populismo que se alimenta do justicialismo. E não vale a pena escamotear o óbvio. A discutir a prisão perpétua ou a castração química não resolveremos nada.
Um diálogo alargado tem que deixar à porta os medos e a falta de rigor próprios do justicialismo. Pelo contrário, seria bom que esse diálogo refletisse sobre se efectivamente é necessário deter e humilhar para investigar. Se a detenção deve, ou não, poder ser efectuada num momento em que a prova é frágil e ainda não houve contraditório. Se é aceitável que existam inquéritos criminais que demorem 10 anos. Se é democraticamente admissível andarmos a escutar pessoas durante vários anos.
Seria um diálogo mais complexo do que o mero “anda tudo a gamar”. Mas seria também mais honesto.
(*) Advogado