O presidente da Câmara de Coimbra ausentou-se durante a votação para aprovação de protocolo com uma associação do amigo e irmão, para não participar no “debate”, extinguindo a casa da Escrita e criando a Casa da Cidadania da Língua. Mas não se eximiu de, antes de abandonar a sala, fazer comentários sobre o assunto, que titulou de esclarecimentos, participando assim no debate. Para um conhecedor das regras da democracia, vou ali, já venho.
Concluída a votação, o presidente da Câmara regressou à sala, fazendo comentários sobre o tema, já encerrado após processo de votação e, portanto, fora da continuidade da agenda de trabalhos, o que não é permitido aos membros da oposição democrática. Para um caudilho do cumprimento das regras da democracia, é um abuso.
Acresce que, apesar de a sua ausência na votação ser por presumível conflito de interesses (outra razão não foi invocada pelo ausente de motu próprio), o conflito de interesses não cessa, porque haverá decisões subsequentes à votação, da sua responsabilidade institucional, inclusive do foro económico, além das já existentes.
Logo após o encerramento da sessão, o presidente prestou declarações à comunicação social, sobre o processo no qual (teoricamente) não terá participado, designando de “pessoas mesquinhas” quem esteve contra a decisão tomada. Para quem se ausentou da sessão, esteve demasiado presente.
Ora, segundo o Dicionário Online de sinónimos, a palavra “mesquinha” significará “pequena, reles, fraca, mísera” e mais, entendida como indigna e obscena, será “ordinária, indecente, desprezível, torpe, biltre, patife, canalha, miserável, vil, verme, baixa, soez, mau-carácter, desprezável, sórdida, indecorosa, safada, velhaca, abjecta, desonrosa, chula, escrota, fúfia”, entre outros sinónimos. Sem comentários. Tenha decoro, sr. Presidente.
Diz o presidente, a despropósito da Casa da Cidadania da Língua, “nós fizemos o 25 de Abril”. Fomos nós, de facto, mas o actual presidente em nada contribuiu para tal, pelo que é um abuso de linguagem da sua parte, ou então a língua portuguesa é muito traiçoeira e está desatento ou é malévolo.
Falou ainda na “luta contra o fascismo”, como se alguma vez durante a ditadura tivesse participado na construção da liberdade (aos 15 anos, já havia quem militasse na Oposição Democrática CDE, e apoiasse os Núcleos Sindicais de Base do Movimento Estudantil de Coimbra, o que foi uma honra). Ou então como se soubesse o que era a luta contra o fascismo, quando nada consta no domínio público do seu curriculum, nem por palavras nem por obras, nem sequer em relação às sevícias e prisões que outros sofreram.
E o Pólo Europeu do Museu da Língua Portuguesa em Coimbra?
Realçar a Casa da Cidadania da Língua, em espaço municipal entregue a privados, que integram a palavra “negócio” que o actual presidente subscreve no Protocolo, quando está previsto o Pólo Europeu do Museu de Língua Portuguesa em Coimbra, cujo protocolo também subscreveu, mas não tem ideias onde vai ser.
Já em 31 de Julho de 2021, data da inauguração do Museu de Língua Portuguesa em S. Paulo, cidade geminada com Coimbra, o então presidente da Câmara de Coimbra, socialista, escrevia no jornal “Observador”: “No momento que resgatamos, revitalizando-a, uma história desvanecida pelas chamas e pela cinza (incêndio em 2015, em S. Paulo), asseguramos o legado e a força indiscutível da língua portuguesa. Em São Paulo, a partir de hoje. Em Coimbra, num futuro próximo que também começa hoje.” A memória ainda não nos atraiçoa, mas há quem atraiçoe a memória dos povos…
O actual Presidente diz também que não está preocupado com a avaliação dos vereadores socialistas, que dizem sempre o mesmo, e convida-os a que “venham debater na minha página pessoal do Facebook”. Como está confuso! Os vereadores socialistas respeitam a sua página pessoal e não têm de se intrometer no que não lhes diz respeito. O que nos diz respeito são as diatribes que profere nesta Câmara, que dizem respeito aos cidadãos que também representamos porque fomos eleitos. Não perca a dignidade, sr. Presidente! Nós não o faremos!
E como afirmou que a Casa da Escrita estava “letárgica”, venho recordar-lhe o que disse o Professor Pedro Dias, durante a gestão socialista da Casa da Escrita por António Vilhena: foi “dispensado por José Manuel Silva, sem qualquer razão que não fosse a total desorientação e falta da capacidade para estar à frente de uma autarquia como Coimbra”.
Esta nova casa dos segredos (mal guardados), após fugas de informação e ausência sistemática de respostas oficiais, veio agora à luz. Ao vir com as ligações, os métodos e os protagonistas por demais anunciados, provocando a destruição da Casa da Escrita, não vem por bem. Que se faça luz aos cidadãos de Coimbra para que, na hora própria, castiguem quem delapidou o património público.
(*) Médico e vereador do PS na CMC