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Entrevista: a missão de Jorge Alves no combate às carências sociais em Coimbra

17 de Setembro 2023 Jornal Campeão: Entrevista: a missão de Jorge Alves no combate às carências sociais em Coimbra

Jorge Alves é não apenas sócio fundador, mas também o presidente da direcção nacional da Associação Integrar. Esta instituição, dedicada ao apoio e promoção do bem-estar de populações desfavorecidas, tem um enfoque particular no auxílio a crianças e jovens em situações de risco, ex-reclusos e indivíduos em cumprimento de medidas penais na comunidade. Com uma sólida experiência como professor, ex-vereador e dirigente associativo, Jorge Alves demonstra um profundo entendimento das complexas questões de reinserção e integração social, reflectindo um compromisso inabalável com o progresso e bem-estar da comunidade.

 

Campeão das Províncias [CP]: O que é a Associação Integrar?

Jorge Alves [JA]: É uma instituição de solidariedade social com quase três décadas de existência, tendo sido fundada em Coimbra por um grupo diversificado de indivíduos unidos por um objectivo comum: enfrentar os problemas sociais prementes da época. A Instituição surgiu com a missão de não duplicar intervenções já existentes na região, mas sim focar-se em áreas negligenciadas pela intervenção social. Recordo-me da situação na altura, quando na Baixa da cidade, havia um número considerável de crianças envolvidas na mendicidade. Este cenário motivou a Instituição a apresentar um projecto pioneiro de intervenção que visava melhorar as competências destes jovens e encontrar soluções para evitar que continuassem fora do sistema escolar e na mendicidade. Este projecto, que durou cerca de 6 anos, recebeu o apoio de um programa da Segurança Social, incluindo uma unidade móvel chamada “Traquina”, que estacionava nos locais onde era necessário intervir. Foi o ponto de partida bem-sucedido para a Instituição, que, ao longo dos anos, continuou a adaptar-se e a responder a novos desafios sociais. A Integrar orientou-se sob duas matrizes fundamentais: primeiramente, a determinação em não entrar em áreas onde outras instituições já estavam a intervir, respeitando assim o trabalho de outros. A segunda matriz foi a constante disponibilidade para ajudar qualquer pessoa que necessitasse, independentemente da existência de apoios oficiais. Esta filosofia tem sido mantida ao longo destes 29 anos de existência da Associação Integrar.

 

[CP]: Qual tem sido o objectivo da Direcção a que preside?

[JA]: Todos nós somos voluntários, incluindo eu, e fazemos isso por vontade e paixão, mesmo que signifique sacrificar noites e fins-de-semana. Estava a tornar-se complicado formar uma equipa directiva coesa. Por isso, unimos forças com um grupo diversificado de pessoas e decidimos avançar, mantendo sempre como prioridade as matrizes da Instituição. Optámos por reorganizar algumas operações para torná-las mais eficazes, na nossa perspectiva. Acredito que esta abordagem está a dar frutos, estamos a lançar novos projectos e a revitalizar intervenções anteriores. Destacamos cada vez mais a importância do voluntariado e a necessidade imperiosa de dar resposta a quem precisa. Particularmente, tenho uma aversão profunda à ideia de listas de espera quando se trata de necessidades básicas, como comida. Para mim, é inconcebível que alguém que precise de comer fique à espera numa lista.

 

[CP]: Como está a situação social em Coimbra?

[JA]: As carências que existem em Coimbra não são diferentes das que se encontram noutras cidades do país. Claro, a dimensão dessas necessidades, felizmente, não é tão crítica como em Lisboa ou no Porto, por razões óbvias. A população carenciada aumenta em função dos ciclos económicos. Por exemplo, é desafiante para alguém na faixa dos cinquenta anos que perdeu o emprego encontrar uma nova ocupação. Por vezes, há essa ideia errada de que só acontece a quem não quer fazer nada, mas a realidade é mais complexa. Existem pessoas que tinham uma vida relativamente estável e, por diversas circunstâncias, deparam-se com a impossibilidade de manter a sua casa devido ao pagamento da renda. E então, para onde vão? Por vezes, estas situações degeneram numa rapidez assustadora, algo que pode tocar qualquer um de nós. Felizmente, começam a surgir novas abordagens que a Instituição também tem adoptado, proporcionando às pessoas meios para alterarem a sua condição e saírem da rua. É notório que a procura de apoio alimentar tem aumentado de forma exponencial, até por parte de estudantes universitários que com as rendas elevadas que têm de pagar muitas vezes não ficam com dinheiro para comer.

 

[CP]: Como é que funciona a Cozinha Solidária?

[JA]: Este espaço é da instituição e é o único ponto de apoio alimentar em Coimbra que opera de forma ininterrupta. Não fecha aos sábados, domingos, feriados, Natal, Ano-Novo ou Páscoa, pois as necessidades de alimentação persistem, independentemente da data. A segurança social contribui com uma parte do funcionamento deste espaço, mas não é suficiente. A verba disponibilizada cobre apenas cerca de 35% dos custos, apesar de servirmos diariamente cerca de 60 refeições em takeaway. No ano passado, em 2022, fornecemos aproximadamente 9000 refeições, o que já é um número considerável. Este ano, a procura continua a aumentar, e prevemos ultrapassar esse valor até ao final do ano. Temos contado com muitos voluntários e realizado diversas campanhas, incluindo uma que terá lugar nos dias 22,23 e 24 de Setembro no Pingo Doce de Celas, para recolha de alimentos. Esta direcção tem adoptado uma estratégia de realizar campanhas de três em três meses, e procuramos reduzir ao máximo os custos de funcionamento do espaço. Sabemos que ao diminuir os custos fixos, teremos mais capacidade para apoiar um maior número de pessoas.

 

[CP]: A Integrar tem muitas ofertas sociais para diversos públicos?

[JA]: Estamos a trabalhar num projecto que planeamos lançar em Outubro. Este projecto terá o nome de Quinta dos Sonhos porque é direccionado a famílias e crianças com dificuldades emocionais e afectivas, resultantes de processos em tribunal ou na Comissão de Protecção. Vamos oferecer actividades que promovam o contacto pessoal, respeito, tolerância, solidariedade e entreajuda, valores muitas vezes negligenciados na era das redes sociais. Além disso, iremos expandir para a componente de prevenção, trabalhando com escolas para sensibilizar os alunos para estas questões. Também estamos a dar um novo impulso ao projecto Principezinho, que se foca na prevenção da violência. Esperamos lançar este projecto no final de Outubro ou início de Novembro, assim que os espaços estiverem preparados na Quinta dos Olivais, onde temos a parte ocupacional. Além das estruturas de alojamento, temos o Centro de Actividades Ocupacionais, que é essencial para a reinserção dos nossos utentes. Quando assinam o acordo de acolhimento, seja para um apartamento de transição ou para o centro de acolhimento, assumem um compromisso com a instituição. Este acordo estabelece as obrigações de ambas as partes, adaptando-se à sua situação, seja trabalho ou formação profissional. Estamos a empenhar-nos em proporcionar a melhor integração possível para estes utentes. Temos actualmente dois apartamentos de transição e um centro de acolhimento com capacidade para 12 pessoas.

 

[CP] Para além desses projectos também organizam várias iniciativas, uma foi há pouco tempo. Estiveram em vários sítios a cortar o cabelo a quem quisesse.

[JA]: Estabelecemos uma parceria com um barbeiro, com o qual assinámos um acordo e lançámos duas formas de intervenção. Uma delas é a intervenção na rua e a outra ocorre nos nossos espaços, ou seja, ele também vai ao nosso centro e aos apartamentos. O objectivo deste projecto, chamado “Mais Cuidados, Mais Integrados”, é trabalhar as questões relacionadas com a imagem. É difícil conseguir um emprego se alguém tem de ir a uma entrevista com o cabelo por cortar e a barba por fazer. Nós acreditamos que, mesmo que estas pessoas vivam em condições modestas, podem sentir-se bem consigo mesmas se tiverem a oportunidade de ter um corte de cabelo, roupa limpa e uma imagem cuidada.

 

[CP] Tiveram que sair da Casa Aninhas, como está essa situação?

[JA]: Fui confrontado, mais uma vez, com a dificuldade que, infelizmente, já conhecia de encontrar espaços para instituições sociais na cidade. Chegámos a ter um espaço arrendado na zona do pavilhão da Palmeira e até assinámos o contrato. Assinámos numa sexta-feira e passados cinco dias recebi um telefonema do proprietário a dizer-me que houve uma reunião de condomínio e que não aceitaram a nossa presença no prédio devido às pessoas que passariam a frequentá-lo. Tivemos de retirar tudo, inclusive o pedido de luz e água que já tínhamos feito. Felizmente, encontrámos um espaço na Rua Fernão Magalhães. Mantemos o pagamento dos vencimentos e impostos em dia, mesmo quando as verbas a que temos direito não chegam. Ao comprar alimentos, pagamos IVA, que vai directamente para o Estado. É dinheiro que não retorna e é lamentável, pois se as instituições tivessem isenções fiscais, poderiam ter uma capacidade de intervenção muito maior.

Entrevista: Luís Santos / Joana Alvim

Publicada na edição do “Campeão” em papel de quinta-feira, dia 14 de Setembro de 2023