Coimbra  10 de Outubro de 2024 | Director: Lino Vinhal

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Pedrosa: há quase 70 anos a vestir metade das crianças de Coimbra

10 de Junho 2023 Jornal Campeão: Pedrosa: há quase 70 anos a vestir metade das crianças de Coimbra

Recordar traços do percurso histórico comercial de Coimbra é falar, necessariamente, da Baixa da cidade. Esta zona foi, até algumas décadas atrás, o principal destino de quem queria fazer compras, fossem pessoas de Coimbra cidade, fossem das freguesias circundantes. Não tendo sido nunca, salvas honrosas excepções de alguns estabelecimentos, uma cidade de comércio deslumbrante que atraísse muita gente de fora, a Baixa tinha, e tem, embora mais desbotados, encantos que faziam dela um dos mais frequentados espaços, em jeito de sala citadina onde grande parte dos conimbricenses se encontrava com os amigos, dava as suas voltas de fim de tarde e fim de semana, destino de compras antes dos grandes centros comerciais chegarem. Comprar roupa, calçado, enxovais, produtos para casa e o muito mais que preencha a vida da generalidade das pessoas era ali. Por essa razão o custo de compra ou trespasse de estabelecimentos na Baixa, sobretudo nos espaços mais nobres porque mais disputados, como a Visconde da Luz e Ferreira Borges, atingia somas astronómicas, só ao alcance de quem tivesse muito dinheiro para investir. De tal modo que comerciante bem sucedido era potencial comprador de novo espaço que lhe fosse contíguo ou outro que se coadunasse com o seu desejo de expansão. Assim se formaram algumas estruturas comerciais de apreciável dimensão.

Os tempos mudaram

Mudaram mesmo. A Baixa perdeu grande parte dos seus residentes, expulsou do seu miolo os automóveis em termos de circulação e estacionamento, recusou sempre aceitar e praticar os novos horários que os Centros Comerciais trouxeram. Aos poucos, ano após ano, fez-se noite na Baixa. Fechado o comércio as pessoas regressam a casa logo a seguir e o vazio passou a encher as ruas daquele que, durante tantos e tantos anos, fora o espaço nobre da cidade, quiçá a sala onde recebia os visitantes. A cidade estendeu-se para fora das suas fronteiras tradicionais, as pessoas foram-se transferindo e fixando nas zonas novas, de melhores condições residenciais, mais amplas, melhor infraestruturadas, com escolas, espaços verdes e menos abafadas que as ruas e ruelas da Baixa que, com a densidade de habitação ao longo dos anos, se foram abafando umas às outras.
Foram-se as pessoas, foram-se muitos dos clientes e outros não vieram. O comércio espraiou-se ao longo de toda a cidade, acompanhando as novas urbanizações A Baixa deixou de ser único destino comercial e foi-se deixando atrair pela vertente turística, mais ocasional mas mais endinheirada, menos exigente em termos de produto e por isso em termos de investimento também. Recordações de custo baixo, produtos apresentados como artesanato puto que nem sempre são, tudo isso compõe a Caixa ao fim do dia e é muito mais facilmente trabalhável. As belezas e singularidades do casco antigo da cidade, os percursos para e em redor da Universidade, ela própria o mais visitado dos monumentos, têm vindo a dar outra matriz à cidade antiga que, ela própria se revela insensível perante algumas zonas da Baixa que tem vindo a abandonar em termos de preocupação e cuidados, de que a rua da Sofia será dos exemplos que mais se lamentam.

“ HÁ SEMPRE ALGUÉM QUE RESISTE”

Apesar disso há estabelecimentos, há lojas, há comércios que resistem, acompanhando embora a idade dos seus proprietários de origem. Temos dado em edições anteriores exemplos desses alguns que muito continuam a embelezar e a honrar Coimbra. Mas há mais, bastantes mais outros. As Lojas Pedrosa são também exemplo dessa realidade . Ali no Largo do Poço/Rua da Louça, onde diversas ruas da Baixinha se entrecruzam paredes meias com o Salão Brasil. A atender clientes desde a década de 50 do século passado (1955), o Pedrosa (como é comumente designado) já vai na terceira geração da mesma família. Roupa de bebé é uma das suas matrizes essenciais. Aqueles fatinhos d e palmo e meio que embelezam a distinguem as pequenas montras do estabelecimento fazem o encanto das mães recentes e alimentam os sonhos de que mãe ainda não é mas aspira ser nos tempos próximos. Camisas de homem, em tempos feitas à mão e por medida, são também um pequeno nicho de mercado que individualiza a Loja, sempre farta, sempre delicada no atendimento, sempre servida por um homem que fez do trabalho a sua companhia de sempre. Com uma matriz muito própria, Manuel Pedrosa sempre teve o perfil de homem pouco dado a frequentar espaços ou realizações sociais. A sua Loja, as suas lojas que passaram a ser a partir de certa altura, foram sempre, a par da sua casa, o espaço que elegeu como sendo o seu mundo. Raros terão sido os dias, excetuado os fins de semana e não todos, que o “senhor Pedrosa” não tenha descido ou subido a rua da Louça para dar mais um e outro toque em qualquer coisa que julgava poder estar sempre melhor. Muito trabalhador e eficiente, foi e é um dos ícones daquela zona da cidade. E como tal será recordado pelos tempos fora, até que a memória das gerações se esbata.

TODOS APONTAM AS MESMAS CAUSAS

Ouçamo-lo: “a motivação para abrir as lojas foi, junto da minha esposa, trabalhar. Ela costurava e eu vendia, porque não havia confecção”, conta Manuel Pedrosa, proprietário das lojas.
Ao recordar como a zona era movimentada e cheia de vida, diz ter chegado a ter 21 funcionários nas lojas. Hoje são apenas três.
Manuel Pedrosa relembra que estas quase sete décadas de funcionamento foram “anos de muito trabalho”. “Alguns períodos foram muito bons até começarem a abrir, em Coimbra, os centros comerciais. Depois disso a Baixa morreu”.
Para o proprietário, o que levou a este esquecimento foram factores diversos como, por exemplo, a falta de estacionamento na zona e o gosto das pessoas pelos centros comerciais: “não há chuva, nem sol, andam à vontade, compram, comem e bebem”.

“Há alguns anos atrás as pessoas tinham outro tipo de vida”

Nos anos de ouro da Baixa, as lojas Pedrosa foram um dos principais comércios da zona.
Neste sentido, o “Campeão” conversou com o proprietário e com os colaboradores, para reavivar esta parte da história de Coimbra.
A primeira loja Pedrosa, aberta em 1.955, foi destinada à venda de roupas para adultos (embora comercializasse, também, peças de vestuário infantil).
Como conta Domingos Gaspar, funcionário da casa há 43 anos, “antigamente havia muito movimento” neste comércio.
Ao relembrar os períodos de maior actividade da loja, afirma que “faziam-se filas enormes.
Trabalham, só neste espaço, 12 funcionários”, conta. Essa grande movimentação devia-se ao facto de que, há alguns anos atrás, “as pessoas tinham outro tipo de vida e, para começar, moravam na Baixa. No entanto, como as casas não tinham grandes condições, começaram a ir para residências noutras zonas e as empresas também deixaram o local. Isto fez com que as pessoas se fossem afastando cada vez mais”, defende.
A abertura dos centros comerciais foi o golpe fatal contra a região, que passou a perder cada vez mais clientes. Embora “sejam coisas distintas”, é uma opção “cómoda” para todos, explica.
Para resolver a questão da falta de clientes na Baixa, Domingos Gaspar defende que poderiam ser tomadas algumas medidas, como a criação de mais meios de transporte (metro, por exemplo). Outra acção possível é oferecer descontos aos compradores; “eu digo sempre aos clientes que guardem esse desconto consigo e façam mais alguma compra na Baixa, nem que seja de um euro. Quando chegar ao final do dia para pagar o estacionamento, vão ver que ainda ficam com dinheiro”.

Domingos Gaspar trabalha na loja Pedrosa há 43 anos

De pijamas à camisas sob medida

Além da venda de peças de roupa, realizavam o trabalho de confecção de camisas por medida, não apenas para clientes individuais, mas também para os outros estabelecimentos de Coimbra. A actividade encerrou em 2019, porque já não havia procura.
Foi pela intensidade de movimento que a loja Pedrosa resolveu abrir, em 1977, o seu segundo comércio, praticamente em frente ao primeiro. Com o mesmo nome, o estabelecimento destinava-se apenas à venda de produtos infantis.
Cerca de 25 anos atrás, como conta Domingos Gaspar, Manuel Pedrosa achou ser o momento de abrir a terceira loja, também voltada para artigos infantis. Além de roupas, vendia outros produtos de puericultura, como brinquedos, carrinhos de bebé, tapete de actividades e bebés confort.
Há dois anos, a 2.ª loja Pedrosa deixou de fazer parte do conglomerado e Dora Frade passou a ser a responsável pelo espaço. Os outros dois estabelecimentos (um de peças de vestuário para adultos e o outro de artigos de puericultura) continuam a pertencer a Manuel Pedrosa.

Nova gerência, mesma qualidade

Dora Frade é a actual proprietária da segunda loja aberta por Manuel Pedrosa. Antiga funcionária da casa, trabalhou no espaço durante 22 anos. Foi em 2.021 que passou a gerir o negócio actual. Mantém o nome Pedrosa autorizado pelo antigo proprietário), mas adiciona as letras “DPF” à designação. Continua a comercializar as roupas para bebé, como meias, calças, collant ́s, babetes, casacos e sapatos.
“Nós compramos as roupas de outras marcas; temos produtos nacionais, que representam 99% do que vendemos, e internacionais vindos da Espanha e da Itália, por exemplo”, conta Dora Frade.
Como nos referiu, planos para o futuro não faltam: deseja realizar algumas obras, embora não se sinta à vontade para idealizar nada em concreto. “Não podemos dar um passo maior que a perna, porque o negócio não está como gostaríamos. Planos há muitos, precisamos é de fundo de maneio”.

Dora Frade é a proprietária da loja “DPF – Pedrosa” desde 2021. Seu pai,
Luciano Patrício, trabalha neste estabelecimento há mais de 50 anos

Uma história de gerações

Dora Frade conheceu Manuel Pedrosa através do seu pai, Luciano Patrício, que está na loja
há mais de 50 anos. Também o ouvimos: “Eu trabalhava num comércio, quando tinha 11 anos, e passava pela loja Pedrosa para trocar algumas notas. Era uma casa que, já na altura, tinha bastante movimento. Então, o senhor Pedrosa simpatizou comigo e convidou-me para trabalhar com ele. Eu não olhei para trás e fui”, conta Luciano Patrício.
Ao longo dessas décadas, muitos foram os factos interessantes que presenciou. “Tenho alguns casos, e não são poucos, em que já estou a atender a terceira geração de uma mesma família. Alguns clientes chegam para fazer surpresa, outros admiram eu ainda estar aqui”.
Depois de todos esses anos a trabalhar na loja, o pai da responsável afirma que o seu período neste comércio está a chegar ao fim. Embora se vá retirar, pretende continuar a ocupar-se com o estabelecimento pontualmente.