Em breve terminará o campeonato nacional de futebol (Primeira Liga), consagrando o Futebol Clube do Porto como novo campeão – o 29.º título da sua história. Um título especial que ficará, ao contrário de todos os outros, nos anais mais raros da história desportiva nacional: conquistado em plena crise pandémica, após recuperação histórica de 15 pontos na segunda volta. É um feito único a juntar a outros títulos que só o emblema azul possui; este é, também, o título Covid19/20.
Tem muito mérito Sérgio Conceição nesta conquista. Com poucos recursos, equipa mediana, estrutura envelhecida e o principal rival nadando em dinheiro, conseguiu fazer das fraquezas forças, construindo um grupo de trabalho sólido e ganhador, que emergiu como a equipa mentalmente mais forte no último terço do campeonato, sem apoio directo da sua massa associativa.
SC foi o líder que a equipa precisava, tem-no sido, aliás, desde que assumiu o lugar, vai para três anos. Nem sempre estando bem no discurso inflamado é, no entanto, indiscutível que percebe da coisa; treinador ele é, e um belíssimo gestor de recursos humanos.
Um campeonato atípico, sem público nas bancadas a partir da retoma em tempos de covid. Que serviu para mostrar que a diferença entre os pequenos e os grandes clubes está na força social, no 12.º jogador. E que bem se trabalha em algumas equipas ditas pequenas, que bateram o pé aos grandes com grande categoria, inclusive em casa destes!
Talvez devêssemos retirar algumas conclusões do que aconteceu este ano, em prol da verdade desportiva e equilíbrio de forças. A adição de algumas jornadas sem público, espécie de período de defeso, poderia ser implementada sem problemas, agora que já temos a experiência de como gerir esse momento.
Mas voltemos ao título. Que foi uma mistura, a meu ver, de mérito do staff do FCP, com demérito da estrutura SLB. O Benfica ter-se-á convencido que eram favas contadas, o Porto não desistiu e acabou recompensado, não obstante ter das piores equipas que me lembro de ver jogar. Talvez alguém tenha feito a cama a Bruno Lage, logo que os primeiros sinais de crise se instalaram, e isso tenha contribuído sobremaneira para o colapso vermelho.
Ainda com a Taça de Portugal no horizonte, a envolver os dois principais candidatos ao título na nossa cidade, começa agora a desenhar-se o futuro. Curiosamente, o SLB virou-se para o passado, rasgando as páginas de ódio de estimação a Jorge Jesus, resgatando-o do Flamengo e ao seu staff por exagerados milhões. O que ontem era mentira, amanhã é verdade, lei antiga do mundo do futebol que bem se aplica a este caso. E assim regressa Jesus, para tentar dar alegrias a um clube onde já foi feliz.
Quanto ao FCP tem pela frente o desafio de manter Conceição, figura plenamente identificada com o ADN do clube e que conseguiu a proeza de vencer dois dos últimos três campeonatos, sustendo a tendência hegemónica do SLB num contexto extremamente delicado. Mas Sérgio merece muito mais do que gerir jogadores em final de carreira, ou refugos, ou jovens da academia. Neste momento deve ponderar a continuidade: ou tem à sua disposição, para a próxima época, um lote valioso de atletas ou o melhor será rumar a outras paragens que há muito reclamam a sua presença e reconhecem o seu trabalho. É que vem uma sangria no plantel a caminho que vai exigir uma paciência quase ilimitada.
(*) Historiador e investigador