Jogo do Cântaro (ou da Caçoilinha). Recriação na Nazaré em 2010
Durante séculos, o período carnavalesco português assumiu a designação de «Entrudo», que deriva do latim introitus (intróito), marcando a aproximação da quadra quaresmal.
Em Portugal, uma das primeiras referências encontra-se num documento de 1252, não relacionado com as festividades carnavalescas mas sim com o calendário religioso.
Durante a Idade Média costumava-se comemorar o período carnavalesco com uma série de brincadeiras que variavam de aldeia para aldeia. Em algumas notava-se a presença de grandes bonecos, chamados genericamente de «entrudos».
Da época de D. Sebastião existem várias referências escritas, que salientam as brincadeiras do Entrudo, entre elas a do «lançamento de farelos», que nem sempre acabavam bem.
A denominação genérica de Entrudo veio a englobar uma variedade de brincadeiras dispersas no tempo e no espaço. Estas práticas, caíram em desuso durante o séc. XX mas, graças aos esforços de grupos etnográficos e folclóricos a sua memória foi recolhida e, por vezes, recriada, de que são exemplos:
– Novos e velhos vestirem-se de «entrudo», mascarando-se e satirizando algumas personagens locais;
– Realização do «Jogo da Caçoilinha ou do Cântaro», utilizando utensílios de barro preferencialmente deteriorados, como caçoilas, cântaros, potes, panelas e tachos. Rapazes e raparigas dispunham-se numa roda, atirando pelo ar o utensílio. Aquele que não o agarrasse e deixasse partir, tinha de fugir de imediato, para não levar com os cacos que os outros lhe atiravam. O jogo terminava quando todos os utensílios tivessem sido utilizados, com os jogadores a sujarem as faces uns dos outros com as mãos enfarruscadas. Os cacos sobrantes eram atirados para dentro das casas, terraços e quintais;
– As «pulhas» ou o «azurrar» era um dos divertimentos mais ousados do período, realizado, preferencialmente, pelo cair da noite. Um reduzido grupo de homens, dirigia-se para os cabeços mais elevados nos arredores das populações. Munidos de grandes funis, denunciavam factos relacionados com a comunidade, revelando segredos e escândalos, colocando a reputação de homens e mulheres em causa.
Durante a realização das pulhas os grupos levavam um bacamarte e mandavam fogachos para intimidar potenciais perseguidores. De vez em quando gritavam: «Companheiro da esquerda! Saia fogo!». O povo ouvia através da janela a pulha e nos dias seguintes ninguém se atrevia a identificar os deitadores da pulha.
– Serrar da Velha: costume realizado à noite, por rapazes, munidos de serrote e cortiça, que se deslocavam para junto da porta das pessoas idosas para lançarem a sátira ao som de estridentes serradelas.
Os costumes alusivos às brincadeiras no período do Carnaval foram introduzidos no Brasil pelos portugueses, provavelmente no séc. XVI, também com o nome de Entrudo. Contudo, seguiram evolução diferente da portuguesa e acabaram por influenciar, negativamente, as nossas práticas.
De facto, nas últimas décadas, o Entrudo tradicional português veio a ser adulterado, designadamente, pelas paradas brasileiras carnavalescas das escolas de samba, fazendo cair em desuso as já debilitadas práticas ancestrais das nossas populações consumindo, paralelamente, importantes recursos financeiros.
(*) Historiador e investigador
A exuberância do Carnaval brasileiro