De boca, é coisa oca… Se for de papel passado, tem a lei bem a seu lado!
Relata-nos uma consumidora que “confrontando-se com a necessidade de lhe ajustarem as portas de uns armários na cozinha, pedira um orçamento a uma micro-empresa. O seu responsável limitou-se a dizer: “isso fica entre 150 e 200 €”… E fechou de boca o contrato: dois homens, se tanto, estiveram cerca de 1 hora a fazer o trabalho que não precisou de quaisquer materiais – foi cortar, ajustar e aparafusar e… remover os resíduos. No fim, a conta de 300 €, a que acresceria o IVA…
Claro que os números me surpreenderam e disso lhe dei conta, mas a resposta foi pronta: ah! Isso foi só uma estimativa! É sempre mais alguma coisa!”
De boca, é coisa oca… Se for de papel passado, tem a lei bem a seu lado!
Situações destas abundam. Em detrimento dos consumidores.
Como é que tudo se deveria processar em atenção aos ditames da lei?
Estamos perante uma relação jurídica de consumo (de um lado, um prestador de serviços e, do outro, o consumidor final).
No que toca a orçamentos, rege o DL 10/2015, de 16 de Janeiro, que estabelece, no seu artigo 39:
“Se o preço não for pré-determinado nem for possível indicá-lo com precisão, o prestador de serviços – em função da concreta prestação a que se obriga -, fornecerá, a instâncias do cliente, um orçamento detalhado de que conste:
– Nome, morada do estabelecimento, número de telefone e endereço electrónico;
– Identificação fiscal e número de registo que consta na Conservatória do Registo Comercial do prestador de serviços;
– Nome, domicílio e identificação fiscal do consumidor;
– Descrição sumária dos serviços a prestar;
– Preço dos serviços a prestar, o que deve incluir:
– Valor da mão-de-obra a utilizar;
– Valor dos materiais e equipamentos a utilizar, incorporar ou a substituir;
– Datas de início e fim da prestação do serviço;
– Forma e condições de pagamento;
– Validade do orçamento”.
O orçamento, pela sua natureza e conteúdo, deve ser prestado em suporte duradouro (em papel ou em qualquer outro suporte).
O orçamento pode ser gratuito ou oneroso.
Se for oneroso, o preço não pode exceder os custos efectivos da sua elaboração, calculados “milimetricamente”.
O preço pela elaboração do orçamento descontar-se-á do preço do serviço sempre que tal vier a ser prestado.
O orçamento obriga o prestador de serviços nos seus precisos termos, tanto antes como após a aceitação expressa pelo destinatário.
A violação de quanto a tal propósito se dispõe é passível de coima: no caso, é de uma contra-ordenação económica grave que, em se tratando de micro-empresa (até 10 trabalhadores) orça entre 1 700,00 a 3 000,00 €.
A indicação do preço, ainda que regularmente efectuada, tem de obedecer à Lei dos Preços de 26 de Abril de 1990: preço é o preço global em que se incluem todos os impostos, taxas e os encargos que nele se repercutam (DL 138/90, de 26 de Abril: art.º 10.º e n.º 5 do art.º 1.º).
Ao preço oferecido não pode, pois, acrescer autonomamente o IVA.
Nem se pode oferecer um orçamento, ainda que pelo meio impróprio, meramente verbal e, depois, cobrar-se o preço da pretensa elaboração por forma a fazer avolumar o quantitativo exigido à vítima, e adicionar o IVA (se com factura…(!)).
O operador económico comete ainda, na circunstância, um crime de especulação (DL 28/84: artigo 35) cuja moldura é de pena de prisão de 6 meses a 3 anos e multa não inferior a 100 dias.
Desde que disponha de elementos de prova, a saber, de que pedira o orçamento sem que o prestador de serviço o houvesse reduzido a escrito, deve denunciar o facto à ASAE – Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (que é também órgão de polícia criminal que de um tal feito se ocupará).
Mau grado as informações que amiúde a apDC – DIREITO DO CONSUMO – se propõe prestar aos consumidores, o facto é que as pessoas se distraem, ficam com os números de boca e, depois, “julgam que se benzem e partem o nariz”, como diz o povo.
Tem de se ser exigente e obrigar estes “empresários” de pacotilha a cumprir a lei para que não haja surpresas de tomo!
De boca, é coisa oca… Se for de papel passado, tem a lei bem a seu lado!
Mário Frota
Presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO – Portugal