Estudantes na Via Latina e Porta Férrea, princípios do séc. XX (D.R.)
A 01/03/1290 D. Dinis criou o Estudo Geral Português, ao assinar o documento “Scientiae thesaurus mirabilis”, com as Faculdades de Artes, Direito Canónico (Cânones), Direito Civil (Leis) e Medicina. A Universidade começava, deste modo, a funcionar em Lisboa.
A instalação definitiva em Coimbra (1537) é um marco incontornável na História Portuguesa. D. João III implementou um ensino universitário de nível europeu, recrutando um luxuoso elenco de professores portugueses e estrangeiros. Alguns chegaram com o pedagogo André de Gouveia, que dirigia o colégio de Guyenne, em Bordéus, e que o monarca convidou para organizar o seu novo Colégio das Artes – um projecto fortemente influenciado pelos ideais humanistas e laicizantes.
Com um inestimável papel na formação das elites culturais nacionais, afirmou-se como matriz intelectual do país. Centrando-nos apenas no séc. XX, recordem-se as altas figuras da I República Portuguesa formadas em Coimbra, como os presidentes Manuel de Arriaga e Teófilo Braga, Bernardino Machado, António José de Almeida ou Sidónio Pais.
Relembre-se, também, a primeira geração de dirigentes do Estado Novo, quase toda saída de Coimbra começando por António de Oliveira Salazar, passando pelo conselheiro e amigo Manuel Gonçalves Cerejeira, cardeal patriaca de Lisboa. E, também, pelo cirurgião Bissaya-Barreto que implantou na região uma Obra Social ímpar que amparou e salvou a vida a milhares de pessoas.
Egas Moniz, Nobel da Medicina em 1949, ensinou em Coimbra. Também médica, além de poetisa, professora e política, Domitila de Carvalho tornou-se, em 1891, a primeira mulher a ser admitida na Universidade de Coimbra. Instituição que pode congratular-se por ter formado o diplomata que desobedeceu a Salazar para salvar milhares de judeus, o mundialmente célebre Aristides de Sousa Mendes. Qualquer que seja o campo de análise a lista é extensa, bastando recordar, Orlando Ribeiro (Geografia), ou Jaime Cortesão (Historiografia), enquanto nas Letras que dizer de vultos tão prestigiados como Miguel Torga, Vergílio Ferreira ou Fernando Namora.
A Universidade modificou a paisagem, gerando a cidade universitária, elevando Coimbra a Capital do Conhecimento. A sua expansão fisica conheceu novos desenvolvimentos no século XX com a criação do Pólo II, dedicado às engenharias e tecnologias, e, já neste século, com um terceiro Pólo, na área das ciências da saúde. Conta com oito Faculdades onde estudam mais de 22 000 alunos.
Fundamental na história da cultura científica europeia e mundial é, desde 2013, Património Mundial da UNESCO, pela dupla valia material e imaterial.
No entanto, a velha instituição precisa de entrar em reflexão alargada, pelos abalos que tem sofrido: o processo Bolonha retirou-lhe identidade e autonomia, cursos e departamentos com excesso de docentes, reprovações duvidosas em actos de doutoramento, gastos excessivos versus dificuldades de financiamento, praxes abusivas, passagem a fundação, manifestações selvagens do seu corpo discente, incapacidade de segurar cérebros e empresas, dificuldade em vender a marca, relação com os poderes locais e regionais. Eis alguns dos temas fracturantes da actualidade universitária que urge debater para resolver. Sem subterfúgios ou falsas declarações de interesses.
(*) Historiador e investigador