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Semanário no Papel - Diário Online

 

Mário Frota

Comunicações electrónicas: um contrato, mil regimes…

30 de Novembro 2023

Um contrato, mil regimes,

Ó suma extravagância!

E são autênticos crimes

Contra as regras da ‘concordância’…

“Menos leis, melhor Lei”! – proclama-se incessantemente nos areópagos europeus.

Como modelo, os requisitos de forma dos contratos de comunicações electrónicas: uma mancheia de requisitos, consoante as modalidades a que se recorra.

Extensa, a lista:

Contratos presenciais in loco (nos pontos de venda das empresas de comunicações electrónicas)

Contratos celebrados electronicamente

Contratos celebrados por telefone (por iniciativa da empresa)

Contratos celebrados por telefone (por iniciativa do consumidor)

Contratos celebrados por telefone (em aproveitamento de contacto estabelecido pelo consumidor, que se reconduz, aliás, à primeira das hipóteses e nem sempre disso se tem clara representação)

Contratos fora de estabelecimento em geral (nas distintas modalidades em que se revêem e se contam por um ror de hipóteses, em que até do seu regime se prevalecem negócios no espaço de estabelecimentos…) e, em particular,

Contratos ao domicílio e

·Contratos celebrados no decurso de excursão organizada pelo operador (em que há especificidades no que tange ao período de reflexão ou ponderação, como na hipótese anterior, para o exercício do denominado direito de retractação, em contraste com as demais modalidades de contratos negociados e concluídos “fora de estabelecimento”).

Para cada uma das modalidades uma forma distinta, distintos requisitos…

Ter-se-á a comunidade jurídica dado conta desta enormidade?

Quando se clama por simplicidade, por transparência, por descodificação dos termos, o que ocorre, em rigor, é que é tão complexo o regime que as próprias empresas mandam-no às urtigas e “produzem” as suas próprias leis, ao arrepio do que os textos prescrevem.

Claro que se não trata de as escusar. Pelo contrário!

Mas parece ser deliberado o que acontece: para que ninguém cumpra a lei e as cautelas nela entrevistas se descartem…

Aliás, aprecie-se o que se passa com o antigo monopólio das telecomunicações (a MEO), ao tomar a iniciativa dos contactos: nos preliminares negociais, como na celebração dos contratos, subverte deliberadamente as leis.

Termos e condições são ditados “ao correr de falas enleantes, sugestivas, de uma tocante ‘generosidade’ na oferta”…

O consumidor tem de os aceitar oralmente: fica de imediato vinculado, irretractavelmente, e só mais tarde é que lhe é presente, por “mala electrónica”, o clausulado do contrato.

O “modus operandi” é francamente atentatório do regime legal em vigor.

O legislador parece preferir o complexo ao simples, a obscuridade à transparência, a ligeireza à reflexão, a incerteza ao rigor, a insegurança a uma fundada garantia… a dispersão normativa a uma consolidação, a uma codificação dos textos, o caos à ordem.

E, enquanto assim for, não há forma mais canhestra de dispensar conveniente tutela à sua mais que desfavorecida posição…

A Nova Lei das Comunicações Electrónicas é um “hino de louvor” à forma mais bizarra de legislar.

Atente-se no n.º 1 do artigo 120 em que se desenham as formalidades dos contratos:

“1 — As empresas que oferecem serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público […] devem, previamente à celebração de um contrato, disponibilizar ao consumidor as informações referidas no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de Fevereiro, e no artigo 8.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, consoante estejam, ou não, em causa contratos celebrados à distância ou fora do estabelecimento comercial.”

E o arrazoado prossegue, com fórmulas sujeitas a repetições, ao longo de 12 longos números…

É certo que “lex imperat, non docet” (“a lei manda, não ensina”). Mas o arrazoado de que se tece, as espúrias repetições à exaustão das fórmulas que adopta, as contrariedades que nela se lobrigam (dadas circunstâncias de facto levam, v. g., à extinção do contrato, mas em norma uns passos adiante, à sua suspensão, cujos efeitos são de todo distintos…), constituem permanente desafio à agudeza do intérprete.

O português é, no mínimo, deplorável!

Parece haver o propósito de abastardar a língua, o último dos bastiões de um património imaterial insuperável por que cumpre terçar heroicamente armas!

(*) Presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO, Portugal