A grande questão que os europeus vão colocar quando as terríveis consequências económicas e humanitárias da guerra na Ucrânia se abaterem sobre eles será a de saber se o conflito poderia ter sido evitado. Sendo a resposta afirmativa, surgirá então estoutra questão: o que fez a Europa para o impedir? E a conclusão será a de que não fez nada, antes apoiou um dos lados (e continua a fazê-lo) incentivando-o a combater, em vez de promover a paz através de negociações. Mas aí, teremos todos de nos interrogar: Por quê? Sim, por que é que os dirigentes europeus não quiseram ou não souberam evitar esta guerra? A resposta será, por fim, a constatação daquilo que é o grande problema da Europa neste tempo: A mediocridade dos seus dirigentes. Sim, esta é a causa principal de alguns dos males da Europa na atualidade e de muitos dos que se aproximam.
A Europa, que já teve dirigentes como Winston Churchill, Charles Gaulle, Konrad Adenauer, Willy Brandt, Harold Wilson, Olof Palme, Helmut Khol, François Miterrand e, finalmente, Angela Merkle, tem hoje à sua frente pessoas que, pela sua arrogância e insensatez, mais parecem um grupo de jovens agitados pela excitação que provocam os jogos de guerra de uma qualquer playstation.
Podem os dirigentes europeus fazer agora as proclamações que quiserem, mas quem conheça um pouco da história da Europa e da Rússia tem a obrigação de saber que seria impossível integrar a Ucrânia na NATO sem uma guerra, como em tempo alertaram alguns dos políticos mais lúcidos, entre os quais Henry Kissinger e o nosso Mário Soares.
Dirigentes com um mínimo de visão política respeitariam o estatuto de neutralidade com que a Ucrânia se comprometeu aquando da sua independência, em vez de a incentivar a romper com essa neutralidade e aderir à NATO com promessas que, como agora se vê, não podiam cumprir. A neutralidade da Áustria, da Finlândia, da Suécia ou da Suíça nunca ameaçou a segurança desses países. Pelo contrário…
A arrogância e insensatez dos dirigentes europeus causou à Europa talvez a maior humilhação da sua história. A Europa seduziu a Ucrânia para esta aventura e agora, impotente, deixa-a à sua sorte ficando de fora a berrar insultos a Vladimir Putin, a perseguir os cidadãos russos na Europa e a decretar sanções económicas e financeiras à Rússia.
Os dirigentes da UE não têm noção do ridículo, pois estão a aplicar sanções económicas a um país que lhe fornece o gás, o petróleo e o carvão que sustentam a economia da UE. E o país sancionado continua, serenamente, a fornecer à Europa a energia de que esta precisa. Simplesmente patético!
Entretanto, lá longe, os EE UU, dizem à Rússia para estar à vontade pois não tencionam voltar a envolver-se em guerras na Europa. A sua guerra é económica e já a venceu juntamente com a China. Esta é a situação a que nos conduziram os dirigentes europeus.
É óbvio que isso não impede que sejamos contra a guerra. Por mim, condeno a invasão da Ucrânia, com a mesma convicção com que condenei a guerra dos EE UU ao Vietname (nos anos 60 e 70), a guerra de Israel aos países árabes em 1967 e a subsequente ocupação e anexação da Palestina, a invasão da Checoslováquia pela União Soviética (URSS) em 1968, a guerra de Portugal às suas antigas colónias africanas de 1961 a 1974, a invasão e ocupação do Afeganistão pela URSS e, mais recentemente, a invasão e destruição do Iraque pelos EE UU com a ajuda de alguns países europeus, a invasão e ocupação do Afeganistão pelos EE UU e a NATO (de onde, aliás, tiveram de fugir de maneira humilhante), a destruição da Líbia em 2011 por parte de alguns países europeus membros da NATO e a guerra que a mesma NATO moveu à Jugoslávia em 1999 e que culminou no bombardeamento da TV de Belgrado, no desmembramento do país e na retirada de uma parte do território da Sérvia para criar um novo estado, o Kosovo, hoje dominado pelas máfias albanesas. Tudo isto, recorde-se, sem qualquer mandato do Conselho de Segurança da ONU.
Sim, sou contra a invasão da Ucrânia, mas sou também contra essa espécie de progroms que alguns estados estão a desencadear contra cidadãos da Rússia, com a sumária confiscação dos seus bens, sem que esses cidadãos tenham cometido qualquer delito exceto o de serem russos.
Sim, sou contra esta guerra, mas sou, com mesma determinação, contra a histeria que está a ser promovida na Europa e no chamado ocidente e que consiste no afastamento de cidadãos russos (sobretudo artistas e desportistas) dos seus empregos e dos seus trabalhos, unicamente pelo facto de serem russos.
O exemplo mais chocante desta russofobia aconteceu na semana passada com a soprano russa Anna Netrebko, uma das maiores cantoras líricas da atualidade, com contrato no teatro de ópera Metropolitan, de Nova Iorque, a qual foi sumariamente afastada por não ter dito publicamente o que a direção do teatro queria que ela dissesse.
Ora, atente-se: a direção do Metropolitan exigiu que a artista condenasse publicamente a invasão da Ucrânia e Vladimir Putin. Ela condenou a invasão da Ucrânia mas não o presidente da Rússia. Por essa omissão foi imediatamente afastada, apesar do contrato existente. Este caso é bem elucidativo da deriva antidemocrática que se está a crescer em alguns países. Nas ditaduras as pessoas são, em regra, perseguidas por dizerem o que os seus dirigentes não querem ouvir, mas em algumas democracias as pessoas começam a ser perseguidas por não dizerem o que certos democratas gostariam de ouvir.
Por fim quero deixar mais uma nota sobre a deriva totalitária que está a apoderar-se das autoridades europeias em relação à liberdade de informação e que culminou no impedimento de os cidadãos da UE sintonizarem certos canais de televisão ligados à Rússia. Esse impedimento, que foi decidido por um órgão da União (o Conselho) sem qualquer respaldo nos tratados, viola, com a cumplicidade do governo português, a nossa constituição que no seu artigo 37º garante a todos os portugueses “… o direito de … ser informados, sem impedimentos nem discriminações”. Portugal não está em guerra com a Rússia (e mesmo que estivesse…) e por isso o primeiro-ministro deve uma explicação aos portugueses por este grave atentado à liberdade de informação.
*Advogado reformado e antigo deputado ao Parlamento Europeu