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Semanário no Papel - Diário Online

 

Mário Frota

A estimativa viola a carteira

14 de Maio 2021

A facturação por estimativa afecta a bolsa do consumidor e causa desequilíbrios nos orçamentos domésticos.

A facturação por estimativa provoca sobrefacturação: o consumidor paga mais do que consumiu.

A facturação por estimativa provoca subfacturação: o consumidor paga menos do que consumiu, mas, a prazo, é confrontado com encontros de contas e pagará mais do que seria normal, afectando os equilíbrios do seu orçamento.

A apDC – DIREITO DO CONSUMO – oficiou à Provedora de Justiça por forma a suscitar a declaração de inconstitucionalidade das normas que suportam a facturação por estimativa, no quadro da legitimidade que se lhe reconhece. E por entender que tal viola o princípio da protecção dos interesses económicos, com assento constitucional.

O consumidor “pagará só o que consome, na exacta medida do que e em que consome”, eis o que se retira de um tal princípio.

A Provedora Adjunta de Justiça transmitiu, há dias, a posição daquele órgão do Estado. Com o que frustra de todo as expectativas dos consumidores sumamente aviltado por tais práticas.

Da peça que nos foi presente, ressalte-se:

“Tomando como referência (por facilidade) apenas o sector eléctrico e do gás, deve notar-se que o Regulamento das Relações Comerciais dispõe que na facturação deve prevalecer a mais recente informação de consumos obtida por leitura directa dos equipamentos de medição, seja esta realizada pelo distribuidor ou comunicada pelo cliente.

Nesta medida, o consumo para efeitos de facturação apenas pode ser estimado na ausência de leitura directa dos equipamentos de medição.

Também é relevante assinalar que a metodologia de estimativa a ser utilizada deve ser seleccionada pelo cliente, de entre as opções disponibilizadas pelo operador, e deve constar das condições particulares do contrato de fornecimento de energia eléctrica celebrado entre o distribuidor e cada um dos seus clientes.

Aliás, apesar de frequentes, as estimativas de consumo não devem ser o método principal de apuramento do consumo.

Mais relevante será verificar que os decisores, maxime os decisores políticos, já assumiram publicamente que as estimativas de consumo têm reconhecidas desvantagens para os consumidores e, ao mesmo tempo, manifestaram a intenção, não só de reduzir a facturação por estimativa, como de eliminá-la, num futuro próximo.

De facto, no preâmbulo de diploma que trata da matéria de eficiência energética, defende-se que os consumidores se tornem parte activa da transição energética e da prioridade à eficiência energética, desenvolve-se a matéria da facturação, medição, submedição e informação aos consumidores, dando maior relevo à digitalização e à inteligência das redes como instrumento da transição energética e da acção climática, e valoriza-se a transparência e conhecimento dos consumidores sobre os seus consumos e custos.

Está já previsto que os contadores instalados após 25 de Outubro de 2020 devem assegurar a leitura à distância e que, aqueles que foram instalados anteriormente e que não permitam a leitura remota, deverão ser substituídos até 1 de Janeiro de 2027.

Parece-nos existir concordância generalizada com o fim das estimativas, ainda que a respectiva implementação esteja dependente de sistemas tecnológicos que apenas a médio prazo estarão à disposição da totalidade dos consumidores.

Por outras palavras: não obstante o alargado consenso quanto à indesejabilidade das estimativas de consumo, subsiste a questão da operacionalização do fim da facturação por estimativa.

Esta questão não é desprezível, na medida em que, não sendo devidamente acautelados os aspectos práticos da alteração, é previsível que os custos indispensáveis à instalação dos novos instrumentos de medição (que permitam a substituição das estimativas de consumo por telecontagem) venham a ser repercutidos nos consumidores, através da facturação.

Por tudo …, entendemos não se justificar presentemente a tomada de posição pedida.”

O que daqui decorre é de uma enorme frustração e uma profunda injustiça para os consumidores que vêem assim denegados os seus direitos!

O direito não é, neste particular, o domínio da oportunidade e da conveniência.

São princípios constitucionais que estão em causa, são os interesses económicos dos consumidores que se afrontam e malbaratam despudoradamente. E tal está intrinsecamente ligado à dignidade de cada um e de todos, que a Lei Fundamental elege como alicerce de toda a sua construção.

Com a atitude da Provedora de Justiça denega-se ao cidadão o reconhecimento substancial dos seus direitos e permite-se pelos tempos que correm que os seus interesses continuem a ser beliscados.

Esperava-se mais da magistratura da Provedora, que detém, ademais, legitimidade processual para as acções de declaração de inconstitucionalidade.

Porque se nada se fizer, os operadores dos serviços públicos acoitar-se-ão ao seu dolce far niente e perpetuarão as agressões à bolsa dos consumidores, num substancial desrespeito pela Constituição, feita mera folha de papel, que se amarrota e deita no caixote do lixo ao sabor das conveniências…

*apDC – DIREITO DO CONSUMO – Coimbra