Pedro Machado é um nome incontornável no cenário do turismo em Portugal, cujos feitos e contribuições para o desenvolvimento da região Centro são verdadeiramente notáveis. Com uma trajectória de 17 anos à frente da entidade regional de turismo, Pedro Machado deixou um legado de transformação e progresso. Actualmente, assume a liderança da Agência de Promoção Turística Centro de Portugal, uma instituição dedicada à projecção internacional desta região. O seu empenho na excelência e inovação continua a ser uma fonte de inspiração para o sector e para a comunidade em geral.
Campeão das Províncias [CP]: Gostava de ser presidente da Câmara de Coimbra?
Pedro Machado [PM]: Neste momento sou presidente da Agência Regional de Promoção Turística do Centro de Portugal, cargo que assumi em 2007, quase em simultâneo com a presidência da Turismo do Centro de Portugal. Tenho o privilégio de ter sido convidado para ser professor associado no Instituto Politécnico de Viseu, onde actualmente exerço funções e, recentemente, passei a fazer parte do corpo docente público. Entretanto, aceitei mais um desafio, que surgiu através do nosso amigo comum, António Henriques da CH Consulting, para contribuir com a minha experiência, conhecimento e o trabalho que desenvolvi, numa empresa que tem demonstrado um desempenho notável, de forma discreta, mas altamente eficaz.
É do conhecimento público que durante 12 anos fui vice-presidente da Câmara de Montemor-o-Velho e em 2021 fui candidato à Câmara da Figueira da Foz. Coimbra, em particular, tem sempre um lugar especial no meu coração, afinal, foi aqui que nasci. Acredito que os destinos de Coimbra estão bem entregues e tenho a convicção de que o presidente da Câmara, José Manuel Silva, possui as condições políticas e pessoais para continuar a desenvolver o seu trabalho por mais dois mandatos. É isso que eu desejo e acredito que é o melhor para a cidade.
[CP]: Olhando para trás, foi a decisão certa aceitar o cargo na Turismo Centro de Portugal?
[PM]: Claro que sim, é evidente que enfrentei alguns desafios ao longo do percurso. Para compreender melhor, vamos dividir em partes. Iniciei as minhas funções simultaneamente com a Câmara de Montemor-o-Velho, precisamente em 1 de Setembro de 2006. Nessa altura, a Turismo Centro de Portugal abrangia 24 municípios. Assim, acumulei responsabilidades enquanto presidente da Turismo do Centro e vereador sem remuneração. Apesar de ter tido a oportunidade de receber metade do vencimento, optei por prescindir desse montante entre 2006 e 2012. Em 2008, com a reforma do Decreto-Lei 67/2008, o número de municípios aumentou de 24 para 57, e em 2013, para 100 municípios. Ou seja, entre 2006 e 2013, assistimos a transformações significativas naquilo que hoje conhecemos como as regiões de turismo. Foi uma mudança marcante. Importa salientar que, em 2013, a Região de Turismo do Centro consolidou-se como a maior região administrativa turística do país, englobando 100 municípios, 8 Comunidades Intermunicipais e agregando mais de 10 regiões de turismo, além das já existentes, como a Rota da Luz, Serra da Estrela e Região de Aveiro. Adicionalmente, contávamos com 4 juntas de turismo em Luso, Buçaco, Curia e Monfortinho. Portanto, para além das regiões de turismo, tínhamos estas juntas que também desempenham um papel importante no panorama turístico.
Em 2006, tínhamos praticamente 3 milhões de dormidas naquilo que hoje é conhecido como o turismo no Centro de Portugal. Comparativamente, em 2022, ultrapassámos os 7 milhões de dormidas. Conseguimos mais do que duplicar este índice nos últimos 10 anos, entre 2013 e 2023, e registámos um crescimento acima de 85% tanto no número de hóspedes como no número de dormidas. Em comparação com os dados do país, crescemos em média entre 10 a 12%, superando a média nacional.
[CP]: Nessa subida fomos a região que mais cresceu?
[PM]: Nós e o Alentejo. É bom salientar, que passámos de 3 para 7 milhões de dormidas, enquanto o Alentejo atingiu 2 milhões. Para termos uma noção, a Turismo Centro Portugal foi considerada nos últimos três anos consecutivos nos Globos de Ouro do turismo em Portugal, os Publituris Travel Awards, como a melhor região nacional de turismo. Estamos a competir directamente com o Algarve, Madeira, Lisboa, Porto e Açores. Conseguimos um “hat trick” em 2022, 2021 e 2019, já que em 2020 não houve avaliação. Além disso, recebemos prémios internacionais e nacionais, destacando-nos duas vezes como a melhor participação profissional na maior bolsa de turismo do país, a BTL. Em 2022, em Valência, subimos ao pódio com um dos três melhores filmes de turismo do mundo. No que diz respeito a receitas, vimos um aumento significativo. Antes, tínhamos cerca de 200 a 300 milhões de receitas directas provenientes da actividade turística. Agora, ultrapassámos os 700 milhões. É importante ressalvar que o turismo é uma indústria muito abrangente. Pode incluir desde a indústria transformadora até ao sector primário. O turismo permeia todas as actividades económicas. É uma das indústrias mais democráticas, pois é possível ter actividade turística em qualquer canto da nossa região e do nosso país.
Esta entidade regional de Turismo foi mencionada por inúmeros autarcas, alguns deles com responsabilidades a nível nacional e internacional, como uma das duas organizações que mais contribuiu para a criação e consolidação da marca Centro, juntamente com a Comissão de Coordenação. Portanto, para nós, é uma grande honra afirmar que não apenas ganhámos destaque, mas também adquirimos estatuto e hoje a actividade turística da região é incontornável.
[CP]: Mas o que fez em concreto a Turismo Centro de Portugal para alcançar estes resultados?
[PM]: A Turismo do Centro conseguiu nos últimos anos formar uma equipa de elite, reconhecida até mesmo por outras regiões e, diria eu, pelos responsáveis políticos a nível nacional. Esta equipa é composta por membros provenientes de diversas forças partidárias, desde o PSD até ao Partido Socialista. Realizámos algo fundamental, e com modéstia, posso afirmar que os resultados falam por si. Focámo-nos em algo que é válido não só para o turismo, mas também para outras actividades: responder a quatro perguntas cruciais para o sucesso de qualquer organização. Vamos vender o quê? Em segundo lugar, a quem vamos vender? Terceiro, onde vamos vender? E quarto, a que preço vamos vender? Esta é a questão essencial e intemporal, aplicável tanto à Turismo do Centro como a outras regiões. Criámos uma marca que foi constituída em 2014 e aprovada em 2015. Lembro-me disto como se fosse hoje, a discussão e apresentação da proposta da marca Centro de Portugal, tal como a conhecemos hoje.
[CP]: Em que consiste essa marca?
[PM]: Actualmente, o Centro de Portugal oferece 22 produtos turísticos distintos. Em 2006, tínhamos apenas 10, como turismo religioso, turismo industrial, ecoturismo e enoturismo, que teve um crescimento notável. Na região Centro, contamos com cinco regiões vitivinícolas, incluindo a Bairrada, o Dão, a Beira Interior e os vinhos do Tejo, juntamente com os vinhos de Lisboa, que também fazem parte do Centro de Portugal. É importante notar que a região de Lisboa é a mais exportadora do país, ao lado do Alentejo. Dessa forma, expandimos para 22 produtos turísticos. Esta expansão levou-nos a trabalhar na criação da marca do território e do produto. Esta era uma tarefa desafiadora, visto que tínhamos uma região rica em atracções, mas era difícil comunicar tudo. A chave foi o foco. Sem um foco claro e uma marca forte, era difícil captar a atenção do público. Finalmente, conseguimos unir os 100 municípios e as 8 comunidades intermunicipais para trabalhar em conjunto. Quero expressar a minha gratidão à professora Ana Abrunhosa e à doutora Isabel Damasceno, pois foram anos intensos, especialmente entre 2014 e 2020. Tivemos sucesso porque tínhamos um instrumento poderoso, o Fundo Social Europeu, ou, neste caso, o Programa Operacional do Centro, que nos permitiu criar uma matriz inovadora: os produtos turísticos integrados. Isso significava que, no mínimo, três municípios tinham que colaborar. Criámos uma mudança de paradigma significativa no trabalho dos municípios na área do turismo.
[CP]: A colaboração com a Comissão foi essencial para essa mudança de paradigma?
[PM]: Diria que foi uma colaboração mútua. Como mencionei anteriormente, muitos dos responsáveis políticos de hoje olham para a região Centro e reconhecem que as duas entidades foram cruciais na mudança da percepção da marca: o Turismo Centro de Portugal e a Comissão de Coordenação. Foi possível porque houve uma cooperação entre elas. No entanto, é importante notar que, infelizmente, não somos um organismo intermédio. O orçamento anual da Turismo Centro Portugal hoje está em torno de 8 milhões de euros. Em contrapartida, a Comissão de Coordenação tem um orçamento de 2.155 mil milhões de euros. As candidaturas feitas através da Comissão têm dois pressupostos: um racional estratégico para toda a região e a inclusão de pelo menos três municípios a trabalharem juntos. Além disso, é necessário ter uma operação que envolva o sector privado no turismo. É essencial destacar que, sem a participação do sector privado, qualquer estratégia regional ou municipal está condenada ao fracasso.
Outro ponto crucial é a maturidade dos produtos turísticos. É fundamental que os produtos tenham um nível de maturidade razoável. É importante lembrar que o que achamos que temos pode ser diferente da percepção dos outros. Por isso, é essencial mostrar aos potenciais visitantes o que temos para oferecer e garantir que apreciem a experiência. Portugal já é um destino conhecido, mas ainda temos muito trabalho pela frente.
[CP]: O crescimento de Portugal neste sector não volta atrás?
[PM]: As perspectivas para 2024 apontam para um ajustamento. Apesar de possíveis desafios, como ameaças à segurança e à saúde, o turismo continua a crescer, impulsionado por novos perfis de viajantes. Estamos a viver três tendências globais importantes que são o crescimento populacional, principalmente na África Subsaariana, o aumento da procura e o potencial para conflitos sociais. Mercados como os EUA e a Coreia do Sul são especialmente promissores, com a Coreia do Sul a destacar-se devido à sua grande comunidade católica em crescimento. Portugal está alinhado com estas novas tendências e está bem posicionado para capitalizar este crescimento contínuo na indústria do turismo.
[CP]: Porque é que diz que Portugal está alinhado com essas tendências?
[PM]: Somos um país seguro, com um clima agradável e possuímos cinco grandes activos que muitas pessoas desconhecem. Além da segurança e saúde, destacam-se o clima e a luz, muito apreciados internacionalmente. A natureza e biodiversidade, a riqueza histórica e patrimonial, o oceano e as manifestações culturais e históricas são também pontos fortes de Portugal no cenário global. Para além destes, temos uma gastronomia muito rica e vinhos de elevada qualidade.
Existe ainda um aspecto curioso que, por vezes, os portugueses têm dificuldade em reconhecer. Em 2020, o Secretário Geral da Organização Mundial de Turismo, numa conferência em Lisboa, referiu que Portugal possui algo ainda mais valioso do que os seus produtos e culinária – a hospitalidade.
A hospitalidade dos portugueses, a sua disposição para ajudar e o modo como se conseguem comunicar com pessoas de outras línguas são factores muito apreciados pelos estrangeiros. Cristiano Ronaldo, como embaixador de Portugal, também desempenha um papel crucial na promoção do país, sendo seguido por mais de 100 milhões de pessoas nas redes sociais, o que tem um impacto significativo no panorama actual, dominado pela tecnologia.
Todos estes elementos posicionam Portugal de forma destacada no cenário internacional e contribuem para que o país seja frequentemente reconhecido e premiado como um dos melhores destinos turísticos da Europa. Assim, ao reunirmos todos estes activos, podemos afirmar que o turismo continuará a ser um instrumento vital para o desenvolvimento e prosperidade de muitos territórios em Portugal.
[CP]: A Turismo Centro de Portugal para alcançar estes resultados tratou de forma homogénea todo o seu território?
[PM]: O turismo tem sido um dos instrumentos mais eficazes para promover a coesão territorial. Em primeiro lugar, porque os territórios interiores de baixa densidade, muitas vezes esquecidos, hoje representam, em muitos casos, o recurso mais valioso da actividade turística na região Centro e em todo o país. Isso acontece pelos seguintes motivos: os novos turistas não se identificam apenas como tal. O desafio é proporcionar-lhes experiências genuínas que estejam enraizadas no território e na autenticidade das pessoas; estes turistas estão conscientes da sua pegada ecológica e desejam minimizá-la. Preferem destinos que promovam a sustentabilidade e a regeneração dos territórios, evitando a sobrecarga ambiental e demonstram uma consciência crítica mais apurada em relação aos recursos disponíveis, reconhecendo a importância de preservar o planeta para as gerações futuras.
Iniciativas como o projecto Dark Sky em Santa Luzia, na Pampilhosa da Serra, são exemplos claros de como o turismo pode criar novas oportunidades em regiões que, de outra forma, poderiam permanecer subutilizadas.
O problema de Portugal não é o sector do turismo estar a crescer muito, é os outros sectores não acompanharem esse crescimento.Se a nossa indústria crescesse ao mesmo ritmo que o turismo em Portugal, poderíamos contar com um país com salários substancialmente mais elevados e uma vida significativamente melhor. Para se ter uma noção da dimensão, neste momento Portugal está prestes a lançar os primeiros avisos do seu programa operacional. A região Centro está prevista para receber cerca de 2.1 a 2.2 mil milhões de euros. Trata-se de um montante considerável.
O PRR totaliza 16 mil milhões de euros. Para se ter uma ideia, em 2022, de acordo com dados do Banco de Portugal até à presente data, o turismo gerou 21 mil milhões de euros. Anualmente, o turismo contribui com um PRR para Portugal! O país não possui a estrutura, os recursos técnicos, os recursos humanos nem a capacidade operacional para utilizar eficientemente todo o financiamento disponível nos próximos anos.
[CP]: O actual presidente da Turismo do Centro, Raúl de Almeida, tem consciência disto?
[PM]: O Raúl de Almeida iniciou funções a 1 de Setembro e, embora não possua 17 anos de experiência, é um autarca bem preparado, com três maiorias consecutivas em Mira. Tem uma marca consolidada, reconhecida nacional e internacionalmente. Conta com uma excelente equipa. Assume a liderança num contexto turístico muito diferente de 2006. Como presidente da Mesa da Assembleia Geral, estou aqui para apoiar a Direcção em questões estruturais. O desafio é o orçamento. Em 2006, tínhamos 20 milhões de euros do Estado para turismo. Em 2023 temos 16,4 milhões, o que é insuficiente para uma indústria que gera 21 mil milhões. É crucial que o Estado aumente o financiamento para impulsionar o sector.
[CP]: Pedro Santana Lopes afirmou no outro dia que Coimbra ao promover Turismo não promove a Figueira da Foz, é verdade?
[PM]: Coimbra e Figueira têm muito mais coisas a uni-las do que a separa-las. Creio que hoje em dia as coisas são diferentes. A presença da Universidade de Coimbra na Figueira da Foz é muito positiva e um passo em frente. Como alguém já escreveu, a Figueira é a jóia do Atlântico.
O tempo que se perde a discutir a possibilidade de ter um aeroporto na CIM de Coimbra deveria ser usado para reforçar o posicionamento do Porto da Figueira da Foz. Do meu ponto de vista, seria muito mais importante reforçar o posicionamento do Porto para actividades comerciais e turísticas.
[CP]: Pensa voltar à política?
[PM]: Já ouvimos dizer em Portugal “nem que Cristo descesse à Terra” e, pelos vistos, desceu. Para alguém como nós, que já tem experiência e alguma maturidade, se me permite dizer, aprendemos que o melhor é nunca dizer “nunca”. Não sabemos o dia de amanhã.
[CP]: E Portugal poderia estar melhor?
É inegável que sim. Desde já, com o saldo orçamental que Portugal tem hoje, seria possível fazer algo básico como baixar impostos. Baixar impostos directamente para as empresas, para as famílias, para as pessoas. As pessoas estão a lutar para não se afogarem financeiramente. Basta pensarmos nos créditos, por exemplo, no custo do dinheiro. Qualquer família que nos esteja a ouvir hoje sabe bem do que estamos a falar. Isto não se resolve com cheques de 125 euros.
Entrevista: Lino Vinhal / Joana Alvim
Publicada na edição do “Campeão” em papel de quinta-feira, dia 12 de Outubro de 2023