Coimbra  7 de Dezembro de 2023 | Director: Lino Vinhal

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Lar Costa Ramos da Misericórdia Obra da Figueira: um refúgio de esperança e amor

11 de Novembro 2023 Jornal Campeão: Lar Costa Ramos da Misericórdia Obra da Figueira: um refúgio de esperança e amor

Num ambiente acolhedor, onde os sorrisos são a porta de entrada, encontra-se o Lar Costa Ramos, que faz parte da Misericórdia Obra da Figueira. Desde 1987, esta casa é o lar de raparigas em busca de um espaço seguro e afectuoso para crescerem e se desenvolverem. A líder desta instituição é uma mulher cuja dedicação é inegável, falamos de Silvana Oliveira, a directora técnica.

Silvana é o coração pulsante desta instituição que, acima de tudo, é um espaço de acolhimento residencial, especialmente dedicado a jovens raparigas em situação de risco. Ao longo dos anos, o Lar tornou-se sinónimo de cuidado e protecção para estas meninas, que ali chegam vindas não só do distrito de Coimbra, mas também de diversas regiões do país. São encaminhadas para esta instituição através de intervenção da Segurança Social, seja por determinação do Tribunal ou da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CCPJ), entidades que avaliam que a integração numa instituição é o melhor caminho para estas jovens.

A directora técnica é uma testemunha privilegiada da jornada de 25 jovens que, actualmente, ali encontram uma casa. Com idades compreendidas entre os 13 e os 26 anos, a diversidade de experiências e desafios é vasta, moldando o percurso de cada uma delas e, muitas vezes, abrindo portas de um destino melhor.

Houve um caso que se destacou, sendo referenciado pela directora como o primeiro grande teste: uma adopção. Uma criança de 9 anos cujo destino estava a ser redefinido. A determinação de um projecto de vida estava em jogo, com a perspectiva de lhe proporcionar uma família e uma vida mais plena. “Sabíamos que, a nível da família biológica, todas as portas estavam fechadas”. A decisão de avançar com a adopção foi tomada, mas trouxe consigo um misto de esperança e incerteza.

Na altura, Silvana, para além de ser a responsável pelo Lar, enquanto gestora de caso acompanhava de perto este processo delicado. A criança mantinha algum contacto com a família biológica, o que tornava a situação ainda mais complexa. A adopção, inicialmente adiada, aconteceu aos 8, quase 9 anos. “Foi um momento de viragem, mas também de desafio, ao estabelecermos uma nova dinâmica familiar”.

A barreira dos contactos precisava de ser definida, uma vez que a família adoptante estava também localizada na zona. Além disso, havia vários irmãos envolvidos. Foi um processo agridoce, de desconectar-se de uma realidade para abraçar uma nova. A incerteza sobre a adaptação e o sucesso deste passo era constante. Felizmente, hoje podem afirmar que a decisão foi acertada.

Esta jovem encontra-se agora numa família dedicada, desfrutando de uma vida equilibrada e plena de bem-estar. O seu sorriso é a maior prova do impacto positivo que esta adopção teve na sua vida. “Veio há dias visitar-nos, trazendo consigo a gratidão por ter encontrado um lar que a acolheu com amor e a ajudou a florescer”.

Família, essência e integração: o caminho do acolhimento

No Lar Costa Ramos manter o contacto com a família é uma prioridade inegociável. Independentemente das circunstâncias, o trabalho centra-se em estabelecer e fortalecer essas conexões, sejam elas com a família biológica ou com pessoas de referência para a criança ou jovem em acolhimento.

“Numa fase inicial, procuramos facilitar o acompanhamento da família, sempre que possível. Entendemos que, em algumas situações de emergência, pode não ser exequível a presença da família no momento da chegada da jovem”, refere Silvana Oliveira. Nessas circunstâncias são frequentemente as entidades policiais ou técnicos da segurança social que as acompanham. No entanto, quando as condições o permitem, é valorizada a presença e acompanhamento das famílias, integrando-as no processo desde o início.

Esta etapa de integração é crucial. As famílias têm a oportunidade de conhecer a casa, as rotinas e, claro, a equipa. Este primeiro contacto é meio caminho andado para que as coisas comecem a fluir de forma mais harmoniosa. As meninas sentem-se mais seguras ao verem as caras conhecidas, criando uma base de confiança essencial para o sucesso do percurso que se avizinha.

“Sabemos que o caminho pode ser longo e desafiante, independentemente das questões associadas a cada situação. Contudo, acreditamos que o acolhimento é, em si mesmo, um passo crucial para o sucesso da jornada destas jovens. É o ponto de partida que nos permite construir alicerces sólidos para um futuro mais promissor”.

A permanência das jovens no Lar Costa Ramos varia de acordo com as condições familiares em casa e a natureza específica de cada situação. Algumas podem deixar a instituição passados poucos meses, enquanto outras permanecem até à idade permitida, dependendo das circunstâncias individuais.

Actualmente, o sistema de acolhimento passou por significativas transformações. Reforços nas equipas técnicas e uma maior exigência nos processos de promoção e protecção, promovidos pelo Tribunal ou pela Comissão de Protecção de Crianças e Jovens, garantem que cada entrada na instituição seja devidamente fundamentada. Esta abordagem contrasta com a realidade de tempos passados, em que as crianças eram muitas vezes colocadas na instituição por motivos diversos, sem um processo tão criterioso.

As crianças que chegam ao Lar Costa Ramos enfrentam uma diversidade de situações. Podem ser vítimas de abandono ou encontrarem-se numa família sem competências parentais, o que pode envolver questões de autoridade, dificuldades em lidar com as várias fases da adolescência, imposição de limites e conflitos, ou até mesmo desafios de saúde mental e questões relacionadas com a sexualidade. Cada caso é único e o Lar procura oferecer o apoio e acompanhamento necessários para que estas jovens possam superar os desafios que enfrentam.

 

Integração cautelosa: construindo novas rotinas

Na integração das jovens é seguido um processo cuidadoso. São explicadas as rotinas e é feita a apresentação do grupo de jovens que partilha o mesmo espaço, o que facilita a integração. Faz-se frequentemente o pedido de colaboração das jovens já presentes na instituição para auxiliar na integração das recém-chegadas, desde mostrar o quarto até ajudar na organização dos pertences, o que se revela de grande importância.

O quotidiano é organizado de forma a satisfazer as necessidades individuais de cada rapariga. A adaptação é uma prioridade, dada a compreensão de que cada jovem tem as suas particularidades. Os primeiros dias são considerados cruciais, especialmente para aquelas que chegam mais ansiosas ou nervosas. A observação atenta da sua adaptação e a prontidão para resolver eventuais desafios são uma constante.

A clareza nas explicações e o apoio da família são fundamentais. Trabalha-se em conjunto para ajudar não só as jovens, mas também as famílias, a enfrentar frustrações e preocupações que possam surgir. Reconhece-se que esta é uma tarefa que exige equilíbrio e empatia de ambas as partes.

Lidar com as despedidas nunca é fácil. Estabelecem-se laços muito fortes e, por vezes, mesmo quando saem algumas jovens acabam por regressar. “Já tivemos casos de jovens que saíram por vontade própria, mas que depois decidiram dar uma nova oportunidade a si próprias e voltaram”. É um cenário que se repete, tanto com jovens que fizeram um percurso de sucesso até à saída e estão bem, como com aquelas que enfrentam mais dificuldades.

Esta instituição continua a ser o seu lar e um exemplo que ilustra bem isso ocorreu no Natal passado.  “Um caso que me recordo é de uma jovem que, nas vésperas do Natal passado, ligou a perguntar se poderia passar a noite de Natal no Lar Costa Ramos. Ela tem uma família, embora não viva com eles, e tem filhos. Sentiu que queria passar essa noite com as colegas que estavam aqui, e assim fez. Acabou por ficar três dias connosco”. Este é apenas um exemplo, mas existem muitos casos semelhantes. Há sempre a possibilidade de passarem uma noite no lar, junto da família que ali construíram.

Do adolescente ao jovem adulto: continuidade de apoio na instituição

As jovens têm a possibilidade de permanecer na instituição até aos 18 anos, e após essa idade, caso desejem continuar, têm a opção de ficar até aos 21. Actualmente, a instituição oferece ainda a flexibilidade de estender o acolhimento até aos 25 anos, desde que os jovens estejam envolvidos em formação profissional ou percurso educativo.

A directora compartilhou exemplos de casos em que alguns jovens optaram por prolongar a estadia até aos 25 anos. Houve situações em que os jovens concluíram a formação profissional ou educativa, e continuaram a ser apoiados pela instituição enquanto se integravam no mercado de trabalho para suportar os custos diários.

Ao longo dos anos, têm observado o interesse crescente das jovens em prosseguir com os estudos superiores.  Uma das jovens, por exemplo, está prestes a iniciar o seu segundo curso superior. Esta tendência demonstra que cada vez mais jovens vêem a instituição como um suporte para alcançar os seus objectivos académicos e profissionais, mostrando grande determinação e ambição para construir um futuro melhor.

 

Um olhar para o presente e o futuro

Encontrar equilíbrio emocional neste trabalho nem sempre é fácil. Silvana Oliveira destaca a importância de uma abordagem positiva perante desafios e valoriza a coesão e experiência da equipa técnica e educativa, ressaltando a longa colaboração entre os membros.

A directora sublinha a importância do apoio mútuo entre os membros da equipa e a confiança depositada neles. Destaca que garantir o bem-estar das crianças e jovens só é possível graças ao suporte da instituição e das entidades envolvidas.

A força da equipa, a procura pelo equilíbrio emocional e a capacidade de adaptação são testemunhos vivos do compromisso em criar um ambiente acolhedor e transformador.

Cada desafio superado, cada pequena vitória alcançada é um passo em direcção a um futuro mais promissor.  O trabalho desenvolvido neste lar vai além do profissionalismo; é impulsionado por uma profunda empatia e um genuíno desejo de fazer a diferença.

Ao olhar para o presente e para o futuro, fica a convicção de que o trabalho desenvolvido neste lar é uma semente de esperança, uma oportunidade de transformação e um farol de luz para estas raparigas. Com determinação, amor e perseverança continuam a construir um caminho de esperança e crescimento para estas vidas tão especiais.