Coimbra  4 de Outubro de 2023 | Director: Lino Vinhal

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Central fotovoltaica põe Coimbra no caminho da sustentabilidade

6 de Agosto 2023 Jornal Campeão: Central fotovoltaica põe Coimbra no caminho da sustentabilidade

Manuel Silva é o engenheiro responsável por Desenvolvimento e Construção de Projectos da Aquila Clean Energy em Portugal. Esta empresa, que faz parte do Aquila Group, sediado na Alemanha, está a concretizar a maior central fotovoltaica da região em Barcos, Cernache, concelho de Coimbra. Este projecto pretende trazer, além de energia limpa, a criação de emprego a longo prazo e a preservação da cultura e biodiversidade locais.

Campeão das Províncias [CP]: Comecemos por apresentar genericamente este projecto.

Eng. Manuel Silva [MS]: Esta central é a única que temos neste momento em construção e a que está posicionada mais a norte no país. Com características especiais, terá uma capacidade instalada de 48 Megawatt-pico, ocupando uma área de cerca de 60 hectares. É também a primeira que a Aquila Group está a gerir na fase de construção com a sua equipa, entretanto criada em Portugal. Iniciou em Abril deste ano, já recebemos os primeiros painéis solares e o transformador de potência vem a caminho. Prevemos que entre em funcionamento, injectando electricidade na rede, no final do segundo trimestre de 2024. O projecto está a correr bem.

[CP]: Porquê a escolha de Barcos, Cernache?

[MS]: A escolha dos locais é sempre um tema super importante no desenvolvimento de projectos. Temos de combinar várias condicionantes: a disponibilidade dos terrenos, capacidade de rede na região e condicionantes do ordenamento do território. Esta zona que encontrámos é favorável à instalação de uma central solar.

[CP]: Disse que esta central tinha características especiais, há alguma inovação?

[MS]: A Aquila é uma empresa alemã, mas que trabalha sempre com equipas locais. Em Portugal tem uma equipa desde 2019, agora com cerca de 40 pessoas. Fizemos questão de trabalhar quase exclusivamente com empresas nacionais, desde o desenvolvimento (engenharia e licenças) até à construção. Contamos apenas com empreiteiros portugueses dada a elevada experiência que o nosso país tem nesta área. A grande inovação está relacionada com o facto de ser a nossa primeira central com baterias para armazenamento de electricidade. Isto é muito importante, porque cada vez mais é a energia renovável que alimenta o sistema eléctrico o que dificulta a sua gestão, já que o sol só brilha durante o dia e o vento não é constante, mas a necessidade de energia é contínua. A flexibilidade que as baterias acrescentam à gestão do sistema, somada às exigentes metas de descarbonização, fazem do armazenamento um tema prioritário.

[CP]: É um investimento exigente?

[MS]: É, particularmente nesta fase em que os custos de construção têm subido muito, desde logística a matérias-primas. As metas na descarbonização acabaram por aumentar exponencialmente a procura para a construção de centrais eólicas e solares. Isto verifica-se concretamente nos materiais, equipamentos, módulos, transformadores e até empreiteiros. Os custos ficaram acima do previsto mas olhamos para a meta e sabemos que faz sentido.

[CP]: Qual o impacto esperado para a região e para Coimbra?

[MS]: É um projecto importante para atingir as metas de descarbonização e marca a diferença na região Centro e no concelho de Coimbra. Já criou 300 postos de trabalho para esta fase de construção e na operação vão manter-se em algumas dezenas. A central irá produzir 71 Gigawatt-hora por ano, o que equivale ao abastecimento médio de 21.000 casas.

[CP]: Como tem sido a reacção da população?

[MS]: O envolvimento local é um ponto importante para nós. É nosso costume abordar as associações e forças vivas das regiões, ouvir as preocupações e expectativas para depois agir, em consequência. Definimos um plano de acção para os pontos principais. Elencámos alguns neste caso, como o impacto visual. Nesse sentido está projectada uma cortina verde, com plantação de árvores novas e de espécies arbustivas em locais com maior intrusão visual da central. Temos também muito orgulho na valorização do património local através da preservação de dezenas casas de pastores (cortelhas) que estão nos terrenos que arrendámos. Estamos a participar na criação de uma rota de quelhas e cortelhas que passará pela nossa central, com a Junta de Freguesia de Cernache. Durante os estudos ambientais identificámos qu, numa zona específica da nossa central existe uma área de nidificação do Bufo-Real. Esse alerta foi reiterado pela Associação Milvoz e pelo ICNF e mais uma vez decidimos ser consequentes, não utilizando essa área. Contratámos mais terrenos, investimos no estudo da espécie e do território e cedemos uma área com mais de 15 hectares para ficar sob gestão desta Associação e assim se criar um centro de interpretação para a biodiversidade. Mais do que uma flor na lapela, consideramos que esta é uma estratégia de valor partilhado, uma parceria a longo prazo com a economia local e as comunidades.

[CP]: Façamos agora um enquadramento da empresa a nível nacional.

[MS]: A nossa empresa entrou em Portugal em 2017 com a aquisição de um portfólio de quatro centrais solares quase em construção. Fomos crescendo e hoje temos oito centrais solares em operação, exploramos 21 centrais mini-hídricas e temos 19 projectos para construir. Destes últimos, o projecto de Barcos é o único já em construção, os restantes 18 estão na fase de desenvolvimento (terrenos, licenças e engenharia) e perspectivamos que até cinco iniciem as obras ainda em 2023. Somamos, no nosso portfólio, cerca de 1.000 MW em Portugal.

[CP]: A vossa empresa equaciona entrar no negócio da energia eólica offshore?

[MS]: Não é a nossa praia. O nosso foco está no solar, eólica onshore e hídricas. Offshore representa também projectos muito grandes e caros. Diria que não fazemos parte da linha da frente, mas vamos esperar e ver o que acontece.

[CP]: Quais são os desafios para o futuro?

[MS]: O primeiro é erigir o portfólio completo que temos em projecto. Para novos projectos o principal desafio é conseguir pontos de ligação à rede eléctrica e existem três formas para o pedir: o regime geral, que está fechado, os acordos com os operadores de rede, que estão igualmente fechados, e o leilão. De momento, e a curto-médio prazo, não se perspectivam novos leilões para o solar. Posto isto, queremos aproveitar todos os projectos que já temos com ligação e fazer uma produção mais eficiente. A hibridização, ou seja, complementar a fonte de produção já existente com outras fontes de energias renováveis (juntando um parque solar a um parque eólico, por exemplo), é uma das vias. Outro caminho, e a Central de Barcos é a nossa ponta de lança em Portual, é o armazenamento de energia em baterias.

[CP]: E desafios para a energia?

[MS]: Há dois temas que devem estar no centro da discussão. A descarbonização leva-nos a olhar para todos os sectores económicos e, em cada um deles, encontrar a alternativa que implique menos ou nenhuma emissão para obter os mesmos resultados. Há domínios da economia para os quais ainda não há solução eficiente disponível, como a produção de aço, cimento e os transportes aéreos. Ainda há, nestes casos, um longo investimento a ser feito, tanto público como privado, e ele tem estado a acontecer. Por outro lado, no sector da produção de electricidade, que hoje representa 25% das emissões mundiais, já temos as tecnologias eficientes e maduras O solar é actualmente a fonte de electricidade mais barata, pelo que é recomendável a sua disseminação, por certo regrada, tanto em centrais como nas nossas casas. O outro ponto é a segurança do abastecimento. O recente conflito no oriente europeu relembrou-nos que a energia é um elemento central nas economias nacionais e para a própria soberania. A independência energética, através da sua produção com recursos endógenos, é uma garantia dessa soberania.

[CP]: É fácil ouvir-se que em Portugal há um longo caminho entre o projecto e a obtenção de licenças. O que diz a vossa experiência?

[MS]: Além de não haver capacidade de rede disponível, esse é o grande desafio. Há três ramos principais no licenciamento: o ambiental, o eléctrico e o municipal. Desde que concebemos uma ideia de investimento até termos todas as licenças passam pelo menos quatro anos, o que pode representar o dobro do tempo de construção. Isto é particularmente desafiante face à exigência das metas. Felizmente observamos uma vontade europeia, acelerada pela questão da Ucrânia, para a simplificação dos procedimentos. Já há, até, vários diplomas em vigor, outros em preparação, mas nós que estamos no terreno ainda não sentimos uma melhoria significativa.