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Aldeia de Penacova assinala 100 anos da “Revolta do Azeite” que vitimou três locais

24 de Março 2023 Jornal Campeão: Aldeia de Penacova assinala 100 anos da “Revolta do Azeite” que vitimou três locais

A aldeia do Roxo, em Penacova, junta-se no sábado para assinalar o centenário da “Revolta do Azeite”, episódio com mais de 100 anos em que três habitantes morreram às mãos da GNR e que deu “má fama” àquele lugar.

Tudo aconteceu a 25 de Março de 1921, quando Alexandrina, uma jovem mulher da terra, saía do Roxo para ir vender azeite a Coimbra e é mandada parar pela GNR, que decide apreender-lhe o cântaro, conforme conta um dos responsáveis pelo evento do próximo sábado, Eduardo Ferreira.

“Foi pedir ajuda ao namorado e os militares da GNR, que estavam perto do cântaro de azeite, dão ordem de prisão. O namorado incita à revolta, o sino toca a rebate, a população junta-se no largo e os militares são corridos do Roxo”, refere Eduardo Ferreira, notando que um dos jornais locais da época afirmou que os militares terão ficado feridos por agressões da população.

A GNR terá decidido chamar reforços, regressando “duas ou três horas depois”. Segundo a imprensa local da época, dois militares da GNR de Vila Nova de Poiares, concelho vizinho, entram por outra via de acesso ao Roxo e, “sem meias medidas”, “dispararam sobre a população”, conta Eduardo Ferreira, bisneto de uma das vítimas mortais.

Nesse dia, uma Sexta-Feira Santa, morrem no Roxo José Luís da Fonte e Alípio Rodrigues Russo, tendo António Miguel morrido dias mais tarde, depois de ser internado no hospital, onde lhe amputaram um braço.

No sábado, a GNR aparece em força no Roxo, com 40 militares de infantaria e 60 de cavalaria “e varre a população toda”. “Entre 35 e 55 pessoas são levadas sob escolta para Coimbra onde são interrogadas, sendo depois libertas”, refere Eduardo Ferreira.

O episódio, que aconteceu a 25 de Março de 1921, deixou até hoje uma ideia de que as gentes do Roxo são “de má raça”, mas a população decidiu juntar-se e assinalar o dia, reescrevendo a história, deixando para trás o preconceito e olhando com orgulho para um momento de “solidariedade e de coragem”, sublinhou o também membro da Direcção da associação cultural ECOS.

Para além desta entidade, o evento mobiliza a fábrica da Igreja, o Rancho do Roxo, descendentes das vítimas, moradores e o grupo de teatro Partículas Soltas, socorrendo-se de recortes de imprensa da época, entre outras provas documentais.

No sábado, pelas 15h30, haverá uma missa de homenagem às vítimas – que se acredita que nunca tiveram direito a uma -, a abertura da exposição de recortes de imprensa e documentos da época, às 16h30, uma conferència histórica (17h00) com Reis Torgal e Maria da Luz Rosa, a recriação teatral da revolta do azeite e, pelas 18h00, a inauguração do mural alusivo aos acontecimentos.

“Desde miúdo que conheço essa história e o Roxo sempre teve má fama. Lembro-me de ir trabalhar com 12 ou 13 anos para Coimbra e, quando dizia que era do Roxo, diziam logo: ‘Isso é má raça, isso é má terra, que até na Guarda batem’. Havia até uma lenda de que os canhões de Santa Clara, em Coimbra, estavam virados para o Roxo”, realça Eduardo Ferreira.

A fama, sublinha, manteve-se até hoje, ao ponto de ouvir reacções, quando andou a colocar cartazes recentemente pelo concelho de Penacova sobre o evento do próximo sábado.

O assunto sempre foi tratado com cuidado, ao ponto de os familiares nunca entrarem no cemitério para rezar pela alma das vítimas, disse.

“Passados mais de 100 anos, temos outra visão das coisas. Não estamos a pedir contas à GNR [os militares que mataram os três locais receberam louvores, na altura], mas sim comemorar um facto histórico e valorizar a solidariedade e a coragem que estas pessoas tiveram”, frisou.

Para Eduardo Ferreira, a aldeia tem de reclamar para si a história e orgulhar-se de “um acto espontâneo de revolta por ser dada ordem de prisão a uma rapariga pobre, que apenas queria vender o seu azeite para fazer face às necessidades”.

“Queremos apagar a imagem de gente ruim por causa de um acto espontâneo que foi de coragem. Queremos que as pessoas sintam orgulho deste lugar”, vincou Eduardo Ferreira.

Para além do evento, está também previsto ser lançado, no futuro, um livro infantil que conte a história da “Revolta do Azeite”. No sábado serão ainda vendidos ímanes alusivos ao episódio, bem como garrafas de azeite comemorativas do centenário da revolta do Roxo.