Por muitas circunstâncias reunidas, Yeshurun foi um dos entrevistados para a investigação de Nilton Melo Almeida, durante sua tese de doutoramento (Universidade Nova de Lisboa, 2016), tendo co-orientação de Anita Waingort Novinsky e o título “Cristãos-novos e seus descendentes no Ceará Grande: a inquisição nos sertões de fora”. Almeida é também autor/historiador responsável por outras publicações, a exemplo de “Judeus no Ceará (séculos XIX e XX)”, publicado em 2016, pela Editora Intermeios.
Segundo a formulação circunstanciada de Almeida (pp. 298-303, vide: https://core.ac.uk/download/pdf/327043631.pdf), havendo inquirido o Senhor Francisco Neto Brandão, Excelentíssimo Vice-Cônsul de Portugal em Fortaleza, Yeshurun foi quem primeiro obteve a nacionalidade portuguesa, no Estado do Ceará (Brasil), a partir da confirmação genealógica enquanto sefardita Português (nesse caso, alguém diretamente vinculado à memória de Coimbra), emitida pela Comunidade Israelita de Lisboa, ainda em 7 Jul 2015.
Acessei, de imediato, as imagens atuais das ruas que se relacionam com a memória familiar de Yeshurun, através da ferramenta simples do GoogleMaps – constituindo, para mim, um trajeto diariamente frequentado (antes Rua da Calçada, atualmente, Ferreira Borges). Para quem não reside em Coimbra, contudo, informo que a caracterização mudou dramaticamente (sobretudo, “alargou-se” e as pontas antes divergentes para esquerda e direita, tornaram-se coincidentes), desde as massivas intervenções de 1860, cujos vestígios dos cortes foram mantidos na lateral da Igreja de Santiago.
Somente naquela oportunidade de diálogo virtual, em Outubro de 2020, pesquisando sobre a linhagem de Yeshurun e nossos encontros familiares (a partir de Maria Ursulina Bezerra), pareceu-me curioso que, da noite em Coimbra, localizo esse membro de uma família distante que a Inquisição afastou – entre as ancestralidades interpeladas, de um físico Boino e outro físico igualmente fugitivo, Cardoso de Vargas, essa “Nação” que se deslocou para o Ceará, junto com Luiz Furtado, Maria Adelina Arruda, Cleide Maria Arruda (respectivamente, bisavô, avó e mãe de Yeshurun), onde somos parentes e legado das tormentas.
Não apenas, por vínculo paterno e meus ascendentes, sou/somos herança anousim de Luciano Cardoso de Vargas, se recordar, por linhagem materna, de avô e de avó, respectivamente, por uma filha (Isabel de Góes) e um filho (Christovão de Holanda), onde sou parte também convergente da memória judia de Brites Mendes (nascida 1525, perseguida em vida e sistematicamente, mesmo depois de morta), desde o suplício da sua mãe na fogueira, Joana de Góes.
Pela mãe de uma das antepassadas paternas da minha avó (materna), sigo até Jácome Tomé Faleiro e Ana Faleiro; pela ascendência do pai daquela mesma Luzia Michaela de Holanda, nascida em Russas que foi a 5a. Avó da minha avó materna Maria Antonieta, somos extensão de Joana Góes e Brites Mendes. Recorrido por J.L. Borges, o poeta: “Il existe un labyrinthe formé d´une seule ligne droite, invisible et sans fin”.
A linha dessa avó materna, Maria Antonieta, pode seguir os quatro ascendentes masculinos (Flávio, Francisco, José, Antônio para chegar na mesma Luzia Michaela), ou de imediato bifurcar, depois de Flávio e Francisco, respectivamente pai e avô da minha avó Maria, pela mãe Francisca Clara, e não o pai José, o mesmo casal que produziu Francisco de Assis, avô da minha avó Maria. Por essa linha de Francisca para sua mãe Joana, subimos quinze gerações até Joanne (Mendes de Vasconcelos) filha de Ignez Martins Alvarenga e Martins Mendes de Vasconcelos (filho de Constança Afonso de Brito) – nomes sefarditas.
Há uma terceira linha que alcança minha avó materna através da sua avó paterna, Maria Correia Lima que subindo dez gerações encontra Jerônima de Mesquita – filha da linhagem paterna de Matheus de Freitas de Azevedo, Sebastião de Lucena de Azevedo, Vasco Fernandes de Lucena, Sebastião de Lucena, Vasco de Lucena (sefarditas); filha da linhagem materna de Maria de Herede, Leonor Reimoa (casada com João Queixada Ramires, filho de Cristovão Queixada que migrou para Pernambuco e casou-se com Clara, a filha de Vasco Fernandes de Lucena, capitão em Pernambuco), Frutuoso Barbosa, António Barbosa (sefarditas).
No livro “A Mulher Submersa” (Editora Urutau, 2020), ensina a delicadeza perene de Mar (Marceli Andresa) Becker, em Poema “do caderno dos mortos”:
os vivos morrem logo
são os mortos que morrem devagar
são os mortos que seguem morrendo depois que os velamos, que os enterramos
[…]
são lentos, os mortos
demoram-se nisto de nos revelarem em cadernos um amor que foi calado por toda uma vida
são lentos
como é lento o amor
[…]
em uma hora de hemorragia intensa os vivos perdem todo o sangue dos seus corpos
os mortos no entanto continuam sangrando
sangram por décadas, por gerações
sangram como mênstruo, pelos corpos das mulheres que habitam a casa
sangram no silêncio compartilhado entre mãe e filha
entre duas irmãs.
e topamos com seus rostos renascendo em outros rostos
não só os da família, mas também daqueles que cruzam por nós na rua
e que não conhecemos.
sempre acabamos encontrando nossos mortos por aí
eles acham jeito de voltar
de permanecer
eles acham jeito de surgir num sorriso
na cor que certos olhos assumem em tardes mais luminosas
num gesto breve
qualquer
os mortos, os mortos
tão vivos.
(*) Doutorando no Colégio das Artes, sobre a Inquisição de pessoas em Coimbra oriundas do Ceará-Brasil