Coimbra  24 de Dezembro de 2025 | Director: Lino Vinhal

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O Natal Nepalês em Coimbra: e um restaurante com cheiro a montanha na cidade

24 de Dezembro 2025 Jornal Campeão: O Natal Nepalês em Coimbra: e um restaurante com cheiro a montanha na cidade

Em Coimbra, a comunidade nepalesa tem vindo a afirmar-se como uma presença discreta, mas cada vez mais relevante. Ao longo dos últimos anos, homens e mulheres vindos do Nepal instalaram-se na cidade, trabalhando em pequenos negócios, restaurantes e serviços, e mantendo uma forte ligação às suas raízes culturais. Apesar da distância de milhares de quilómetros, preservam costumes, gastronomia e tradições, oferecendo à cidade uma perspectiva diferente sobre o que significa viver noutro país. Entre as várias histórias que ilustram esta presença está a de Dilip (27 anos) proprietário de um restaurante nepalês recém-aberto na Baixa da cidade. O jovem não só transportou receitas e sabores típicos do Nepal, como também trouxe consigo uma forma própria de estar na vida, marcada pela experiência da imigração em Portugal, pela hospitalidade e cuidado com os outros – traços da sua cultura.

 

O Nepal: o país no topo do mundo

O Nepal, país de uma geografia única, encontra-se entre a Índia e a China, sobre a extraordinária cordilheira dos Himalaias, que se ergue como a coluna vertebral do país. Este território montanhoso molda não apenas o quotidiano, mas também a cultura, a espiritualidade e o modo de viver do seu povo. Ali se encontram algumas das montanhas mais altas do planeta, incluindo o Evereste, destino de alpinistas e caminhantes de todo o mundo. Para os nepaleses, essas montanhas não são apenas cenários de exploração ou turismo; são casa, prova diária da necessidade de cooperação. Viver entre vales profundos e encostas escarpadas ensina desde cedo a importância do trabalho colectivo, da hospitalidade e da resistência, valores que se refletem nas festas, na gastronomia e na vida em comunidade.

 

O Natal dos Nepaleses

Entre as celebrações que atravessam o Nepal destaca-se o Tihar, conhecido como festival das luzes. Esta festa hindu, que se prolonga por cinco dias, ilumina casas e ruas com pequenas lamparinas celebrando a vida, a família e a comunidade. Cada dia é dedicado a diferentes temas — nomeadamente a homenagear animais, tais como: corvos, cães e vacas. Apesar de não se tratar de uma festividade cristã, o Tihar partilha valores universais com o Natal: a centralidade da família, a partilha e a união entre gerações. Estes laços de comunidade, reforçados por rituais e refeições partilhadas, são uma das razões pelas quais a comunidade nepalesa se sente naturalmente próxima do espírito natalício, mesmo sem o celebrar religiosamente.

A gastronomia ocupa um papel central nas festas nepalesas e na vida quotidiana. Adaptada a um território montanhoso e exigente, a cozinha do Nepal privilegia alimentos simples, nutritivos e energéticos, ideais para quem percorre longos trilhos ou trabalha arduamente em terrenos escarpados. O dal bhat, prato à base de arroz, lentilhas e legumes temperados, é um exemplo dessa combinação de simplicidade e funcionalidade. Durante o Tihar, surgem ainda doces e iguarias preparados com especial cuidado, destinados a serem partilhados. Cozinhar e comer em conjunto é um gesto de união que acompanha a vida dos nepaleses desde a infância, nas aldeias de montanha, até às cidades do Nepal e, agora, em Coimbra.

 

Um restaurante nepalês em Coimbra

Foi precisamente essa ligação entre comida, tradição e comunidade que Dilip trouxe consigo ao criar o seu restaurante na cidade. Mais do que um espaço de venda de refeições, o restaurante funciona como um ponto de encontro cultural. Ali, portugueses, e membros da comunidade nepalesa cruzam-se à mesa, partilhando experiências e sabores que transportam para Coimbra histórias das montanhas e das aldeias de altitude.

Nesta época de Natal, a presença da comunidade nepalesa em Coimbra ganha uma dimensão simbólica especial. Embora os nepaleses não celebrem o Natal enquanto festa religiosa, este ano decidiram juntar-se às celebrações natalícias da cidade. Vão organizar a sua festa entre nepaleses com comida, música, dança e distribuição de presentes. O gesto é mais do que simbólico: é a afirmação da capacidade de integração e da abertura para partilhar experiências com a comunidade local. Participar nas festividades não significa abandonar tradições próprias, mas reconhecer valores comuns que unem culturas diferentes.

 

A comunidade nepalesa em Coimbra

A comunidade nepalesa em Coimbra constrói-se, assim, entre o respeito pelas suas raízes e a adaptação à vida numa cidade nova. Tal como no Nepal, onde cada trilho de trekking ou rota de montanha exige cooperação e atenção, também aqui o quotidiano depende do apoio mútuo, sobretudo entre imigrantes. No meio de restaurantes, festas e pequenas redes de apoio, a comunidade cria uma presença discreta, mas firme, acrescentando riqueza social, cultural e gastronómica à cidade.

A geografia e a história do Nepal continuam a reflectir-se nas tradições da comunidade, mesmo a milhares de quilómetros de distância. O respeito pelo território, a reverência pelas montanhas e a centralidade da família permanecem no centro da vida social, assim como os sabores e aromas que se fazem sentir no restaurante de Dilip. A participação no Natal, este ano, é apenas mais um gesto de aproximação, que mostra como a cultura nepalesa se adapta e integra sem perder identidade. A comunidade nepalesa em Coimbra constrói-se assim, entre as suas raízes e a adaptação à vida numa cidade nova. Mantendo vínculos com o Nepal e, ao mesmo tempo, adaptando-se ao contexto português, conseguindo conciliar tradição e integração. O seu contributo é visível na gastronomia, na vida económica e na diversidade cultural da cidade, mostrando que uma comunidade estrangeira, mesmo pequena, pode ter um impacto sólido e duradouro no tecido urbano. Aproveitemos o acolhedor cantinho do Dilip, na Rua Visconde a Luz, com direito a esplanada e luzes de Natal.

Ana Rajado