Luís Marinho é advogado, professor do Ensino Superior e uma figura de referência no panorama político e académico nacional. Socialista convicto, desempenhou funções como deputado na Assembleia da República e no Parlamento Europeu, onde chegou a exercer o cargo de vice-presidente. A sua passagem por Estrasburgo e Bruxelas somou 18 anos consecutivos, tornando-o o eurodeputado português com maior longevidade no cargo. Com um percurso marcado pelo serviço público, assumiu ainda a presidência da Administração Regional de Saúde do Centro e liderou a Comissão de Gestão do Instituto Superior Miguel Torga, instituição histórica que, sob a sua orientação, recuperou prestígio e reconhecimento na cidade de Coimbra. Mais recentemente cessou funções como presidente da Assembleia Municipal de Coimbra.
Campeão das Províncias [CP]: CP: Como surgiu a sua ligação à política?
Luís Marinho [LM]: Envolvi-me na política muito jovem, com pouco mais de 20 anos, ainda antes do 25 de Abril. Não era um activista público, mas participei activamente nas lutas estudantis através da Associação Académica.
Sou do Porto e, em Coimbra, presidi ao GEFAC, um organismo progressista e democrático que desempenhava um papel importante na resistência interna, numa altura em que a Associação Académica estava formalmente encerrada pelo regime. Tornei-me conhecido nos meios da esquerda estudantil, participando na “inter-organismos”, onde se coordenavam iniciativas de contestação.
Embora a Associação estivesse fechada, vários organismos autónomos, como TEUC, CITAC, Coro Misto, Coral de Letras e GEFAC, mantinham a vida académica, cultural e política. Foi graças a estes grupos que a associação sobreviveu simbolicamente, mesmo em tempos difíceis, marcados por perseguições, como nas deslocações do GEFAC a Castelo Branco, em experiências de grande risco que recordo com Rui Pato e outros colegas.
[CP]: Essas experiências de resistência cultural influenciaram a sua visão política e convicção democrática?
[LM]: Sem dúvida. Uma das experiências mais marcantes foi com o GEFAC, grupo de cultura popular fundado pelo Dr. Laborinho Lúcio, que percorria o país com teatro, música e dança. Em Castelo Branco, cantei músicas proibidas pelo regime, como A Samaritana e Menina dos Olhos Tristes, que abordavam a dor provocada pela guerra.
Fomos detidos pela GNR no teatro, mas a intervenção do Reitor e de contactos junto do Ministério permitiu-nos ser libertados de madrugada. Este episódio mostrou-me o valor da resistência e da arte como forma de expressão democrática, deixando memórias intensas e formativas.
[CP]: Como recorda a atmosfera política e social de Coimbra naqueles anos?
[LM]: Naquela época o ensino universitário era muito diferente. Quem queria estudar Direito só podia escolher Coimbra ou Lisboa, e a mobilidade estudantil era limitada: vínhamos para a cidade em Setembro e só regressávamos a casa em Dezembro ou após a Páscoa.
Isso fazia de Coimbra uma cidade viva e pulsante, onde os estudantes preenchiam cafés, cinemas, restaurantes e espaços culturais. A convivência contínua fomentava tertúlias, grupos de reflexão e movimentos políticos, criando uma combinação única de efervescência cultural e contestação política. A tradição musical e artística, incluindo serenatas, contribuiu para um ambiente que alimentou as ideias e debates que mais tarde marcaram o período pré-25 de Abril.
[CP]: Estava em Coimbra quando se deu o 25 de Abril?
[LM]: Estava prestes a concluir o curso, que deveria terminar em Junho de 1974, mas com a Revolução a Universidade encerrou temporariamente, e só em Setembro concluí a licenciatura em Direito Internacional Privado.
Fui examinado pelo Professor Ferreira Correia Cabral, uma figura de excepcional inteligência, e apesar de ter tido um bom desempenho, não tinha média suficiente para ser assistente na Faculdade, numa altura em que a selecção privilegiava relações familiares. No entanto, o professor convidou-me a trabalhar no Instituto de Direito Comparado, a primeira instituição nacional de Direito Europeu, e foi assim que começou o meu percurso académico.
[CP]: Pretende continuar ligado à política?
[LM]: A resposta é naturalmente afirmativa. Faz-se política dentro da Assembleia Municipal, mas também fora dela, a política é uma forma de intervenção cívica e social que não se limita ao exercício de um cargo.
Tive um enorme gosto em presidir à Assembleia Municipal e considero que foi uma experiência profundamente enriquecedora. É, de facto, uma grande escola: uma escola de cidadania, de responsabilidade pública e de respeito democrático. Acredito que posso ainda transmitir ensinamentos e partilhar aprendizagens com quem vier a assumir funções nos próximos anos, enquanto a vida me permitir continuar presente. Não devemos, de forma alguma, menosprezar o papel das Assembleias Municipais, porque nelas reside uma parte essencial do exercício democrático local.
CP: Qual a qualidade mais decisiva para presidir uma Assembleia Municipal: diálogo, neutralidade ou gestão de conflitos?
LM: Acredito que o papel do presidente exige equilíbrio e isenção. Na minha última eleição, o PS perdeu as autárquicas, mas ganhei a presidência da Assembleia Municipal, uma vitória que acabou por se tornar uma experiência de grande aprendizagem e respeito institucional.
Trabalhei sempre sem me alinhar com nenhuma bancada, garantindo liberdade de expressão a todos, incluindo opiniões radicais. A minha relação com o Dr. José Manuel Silva começou de forma difícil, ele chegou a pedir publicamente “não votem nele”, mas construímos amizade e respeito mútuo. Quanto à obra, ele deixou um legado estruturante para Coimbra, continuando o trabalho do anterior presidente, Dr. Manuel Machado, mesmo que algumas críticas tenham sido injustas.
[CP]: Mas não terminou da melhor forma…
[LM]: Não, não no plano pessoal. Sentia-me preparado e legitimado para continuar, mas a Dra. Ana Abrunhosa, por razões próprias, influenciou decisivamente o Partido Socialista para afastar-me, apesar de já ter sido indicado e elogiado publicamente. Numa Assembleia Concelhia fui aclamado como candidato mais provável, mas oito dias depois a direcção local escolheu outra pessoa, sem explicações claras. Na minha opinião, o partido não geriu bem a situação, transferindo toda a responsabilidade para a Dra. Abrunhosa. Havia apoio interno sólido, e se o partido tivesse querido, eu teria continuado. Estranhamente, a acta dessa reunião pública desapareceu e só foi votada muito tempo depois.
CP: O Partido Socialista está muito fragilizado?
LM: O Partido Socialista enfrenta um desafio profundo: precisa de se modernizar e reflectir sobre si próprio a todos os níveis, local, concelhio, federativo e nacional, sem perder as suas linhas programáticas. É necessário corrigir comportamentos internos de poder que considero intoleráveis, evitando o caciquismo democrático.
Reconheço que decisões precipitadas em Lisboa, impulsionadas por figuras jovens e inexperientes como Pedro Nuno Santos, colocaram o partido numa posição difícil. Ainda assim, a democracia em Portugal não é possível sem um Partido Socialista forte e coeso, como mostraram as recentes eleições autárquicas, onde o partido reafirmou a sua centralidade política.
[CP]: Como avalia a estabilidade política em Portugal para os próximos quatro anos?
[LM]: É fundamental que se cumpra a legislatura e se mantenha estabilidade política, apesar dos desafios. A queda de António Costa e a perda relativa de poder marcaram-me e deram início a alguma instabilidade subsequente.
Preocupa-me a fragilização do Governo; gostaria de ver decisões sólidas e consistentes, evitando conflitos internos ou pressões externas que possam levar a greves ou paralisações.
Quanto a mim, mantenho fidelidade total ao Partido Socialista: durante 12 anos na Assembleia Municipal nunca falhei uma votação. Continuarei a intervir politicamente dentro do partido, promovendo mudanças de comportamentos e ajudando a escolher protagonistas mais capazes, enquanto tiver saúde e capacidade.
Lino Vinhal / Joana Alvim
Entrevisra publicada na edição em papel do Campeáo das Províncias de quinta-feira, 20 de Novembro de 2025