Entre paredes que deveriam ser abrigo, muitos idosos encontram-se aprisionados pelo medo. A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) divulgou esta terça-feira as estatísticas referentes a Pessoas Idosas Vítimas de Crime e Violência entre Janeiro e Agosto de 2025, um retrato duro, quase impossível de ignorar: 1.557 pessoas idosas receberam apoio da associação neste período, vítimas de 2.861 crimes.
O número impressiona não apenas pela dimensão, mas pela dor escondida em cada caso. A maioria das vítimas é mulher (75%), com idades sobretudo entre os 65 e os 74 anos. Muitas vezes são mães, avós, vizinhas ou conhecidas que a sociedade deveria proteger, mas que se encontram expostas a formas de violência persistente e silenciosa.
A violência doméstica continua a ser o crime dominante, representando 81% dos casos registados. Seguem-se ameaças, burlas e agressões físicas. Em média, cada idoso vítima apoiado pela APAV sofreu dois crimes em simultâneo, revelando uma espiral de vitimação que dificilmente se quebra sem intervenção especializada.
Os números mais perturbadores surgem no retrato das pessoas agressoras: em 33,5% das situações são os próprios filhos ou filhas a maltratar os pais, quase sempre dentro da residência comum. Em muitos casos, o lugar onde se deveria encontrar carinho e cuidado transforma-se em palco de abusos, chantagens e violência psicológica. A maior parte dos agressores são homens (57,8%), mas as mulheres representam também uma fatia considerável (25,3%).
Apesar de este ser um fenómeno que percorre todo o território, Lisboa (20,9%), Faro (13,6%), Braga (16,1%) e Porto (12%) concentram a maior parte dos casos. Ainda assim, entre Janeiro e Agosto, a APAV apoiou vítimas em 175 dos 308 municípios portugueses, confirmando que esta realidade não é urbana nem rural, mas transversal.
“Os dados não podem ser apenas estatística. São vidas, histórias e rostos que carregam marcas invisíveis de violência e abandono”, sublinha a APAV, que hoje apresenta estes números no Seminário Final do projecto Portugal Mais Velho, em Lisboa. A iniciativa reúne especialistas, decisores políticos e representantes da sociedade civil para debater o envelhecimento em Portugal e a urgência de prevenir a violência contra idosos.
Paralelamente, a associação lança uma nova campanha nacional de sensibilização, procurando alertar para as várias formas de violência que atingem esta faixa etária e reforçar uma cultura de respeito, solidariedade e protecção intergeracional.
A denúncia é clara: Portugal envelhece depressa, mas envelhece muitas vezes em solidão e medo. Os lares e casas onde deviam ecoar memórias e partilhas tornam-se, demasiadas vezes, cenários de sofrimento. As estatísticas agora divulgadas não podem ficar aprisionadas em relatórios. São um apelo urgente à acção, para que o país não falhe a quem mais merece dignidade e cuidado no fim da vida.