A Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) manifestou na terça-feira a sua preocupação com várias alterações previstas no Anteprojecto de Lei da Reforma da Legislação Laboral, sublinhando que algumas propostas representam um retrocesso face ao regime actualmente em vigor e que não têm em conta a evidência científica disponível nem as recomendações internacionais.
Num parecer entregue ao Governo, a OPP destaca cinco áreas críticas em que apresenta propostas concretas, sustentadas em dados científicos e orientações de entidades internacionais.
Luto gestacional
Actualmente, o Código do Trabalho garante três dias de faltas justificadas em caso de perda gestacional. O anteprojecto propõe revogar este direito, remetendo a situação para faltas por assistência a familiar. A OPP defende não só a manutenção deste artigo como o seu alargamento até 20 dias, equiparando ao luto pela morte de um filho já nascido. “Tratar a perda gestacional como menor é contrariar a evidência: o seu impacto emocional e funcional pode ser, no mínimo, equiparável ao de perder um filho já nascido”, alerta a Ordem, sublinhando ainda que a proposta do Governo desvaloriza a dimensão psicológica da perda e agrava desigualdades de género.
Licença parental
O Código em vigor permite até 180 dias de licença parental, mas a 100% de remuneração apenas em modalidades restritas, exigindo 30 dias de exclusividade para cada progenitor. O anteprojecto propõe manter a duração, mas condicionando o pagamento a 100% à obrigatoriedade de 60 dias ininterruptos de licença exclusiva por parte do pai. A OPP considera a medida “irrealista para muitas famílias, em especial as mais vulneráveis”, defendendo, em alternativa, o alargamento universal da licença a seis meses pagos a 100%, sem condicionalismos, de forma a promover a equidade e o bem-estar infantil.
Dispensa para amamentação
Actualmente, a lei garante dispensa durante todo o período de amamentação, exigindo atestado médico apenas após os 12 meses. O anteprojecto passa a limitar a dispensa até aos dois anos da criança e exige atestado desde o início, renovado semestralmente. A OPP considera esta proposta “contrária à evidência científica e às recomendações da OMS e da UNICEF”, defendendo a manutenção da lei actual.
Horário flexível para trabalhadores com responsabilidades familiares
O Código actual garante flexibilidade para trabalhadores com filhos até aos 12 anos ou com deficiência/doença crónica. O anteprojecto introduz restrições, subordinando o direito à natureza das funções e ao funcionamento da empresa. A OPP alerta que esta alteração “compromete a conciliação entre vida profissional e familiar, aumenta riscos psicossociais e afecta desproporcionalmente as mulheres”, defendendo que se mantenha a redacção actual.
Recomendações gerais
A Ordem dos Psicólogos apela a que a reforma laboral seja centrada na promoção do desenvolvimento saudável das crianças, na equidade de género e no bem-estar das famílias.
Entre as propostas apresentadas, destacam-se:
Licença parental de pelo menos seis meses, paga a 100%;
Possibilidade de redução temporária do horário até aos cinco anos da criança;
Licenças parentais parciais e flexíveis;
Incentivos fiscais às empresas que promovam a conciliação;
Campanhas públicas de literacia sobre parentalidade e saúde mental.
“Legislar sobre o trabalho é legislar sobre saúde, desenvolvimento humano e justiça social. O anteprojecto, na sua forma actual, coloca em risco estes pilares”, conclui a OPP no parecer.