Coimbra  31 de Outubro de 2025 | Director: Lino Vinhal

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Como a diplomacia das cidades está a moldar a política da UE e a nível mundial

9 de Setembro 2025 Jornal Campeão: Como a diplomacia das cidades está a moldar a política da UE e a nível mundial

À medida que a UE prepara o seu próximo ciclo político, as cidades europeias avançam com uma ambição renovada para moldar as agendas políticas internacionais e da UE.

Com as alterações climáticas, a migração, a instabilidade geopolítica e os crescentes ataques aos valores democráticos da Europa a exercerem uma enorme pressão sobre a governação pública, as cidades utilizam cada vez mais a diplomacia das cidades como ferramenta para navegar e influenciar esta paisagem complexa.

Este foi o foco do webinar City diplomacy in times of multiple crisiss, coorganizado pela Eurocities e pelo City Diplomacy Lab. que reuniu mais de 200 representantes das cidades, académicos e funcionários municipais, representando um passo em frente no esforço para preencher a lacuna entre a prática da cidade e a pesquisa sobre envolvimento internacional.

“A diplomacia da cidade não se limita mais a amizades simbólicas”, disse Lorenzo Kihlgren Grandi, director do Laboratório de Diplomacia da Cidade. «É agora um instrumento de governação transversal para a acção climática, a gestão das migrações, o reforço da resiliência e a renovação democrática».

Estratégica, profissional e crescente complexidade

Na abertura do evento, Pietro Reviglio, Conselheiro de Política e Investigação da Eurocities, afirmou o papel estratégico crescente que as cidades estão a desempenhar no envolvimento externo da Europa.

“Cada vez mais cidades, grandes e pequenas, estão a recorrer à cooperação internacional para encontrar soluções, construir alianças e fazer ouvir as suas vozes”, explicou Reviglio. “A própria Eurocities quase duplicou o seu pessoal na última década, um sinal claro de que esta já não é uma preocupação de nicho”.

No centro do debate estiveram dois novos relatórios de investigação com provas claras sobre a forma como a diplomacia das cidades está a evoluir dentro e fora da Europa.

O primeiro relatório, o 2024 Cities and International Engagement Survey, escrito pelo Melbourne Centre for Cities, analisou dados de 85 cidades em todo o mundo. As alterações climáticas emergiram como a principal prioridade para a diplomacia das cidades pela quarta vez consecutiva, seguindo-se de perto o desenvolvimento económico, a resiliência e a migração. Na Europa, especificamente, a cooperação regional também ocupou um lugar de destaque, sublinhando a importância das alianças transfronteiriças de cidades na UE.

“A diplomacia das cidades está cada vez mais sofisticada”, disse o Dr. Daniel Pejic, investigador do Melbourne Centre for Cities, coautor do relatório. “As cidades estão a construir portfólios multitemáticos, trabalhando com redes, organizações internacionais, universidades e organismos multilaterais. Não estão apenas a participar, estão a moldar resultados”.

Uma conclusão particularmente encorajadora foi a constante profissionalização da diplomacia das cidades: Actualmente, 84 % das cidades dispõem de escritórios internacionais dedicados. 58 % das cidades europeias referem dispor de colaboradores formados para funções internacionais.

A maioria das cidades colabora regularmente com os respectivos governos nacionais sobre questões internacionais, com 88 % das cidades europeias a comunicarem contactos pelo menos de três em três meses.

Este profissionalismo crescente é apoiado por novas iniciativas de formação, incluindo academias internas como a lançada por Budapeste, e programas globais emergentes de formação para funcionários municipais.

Como observou Amelia Leavesley, pesquisadora do Melbourne Centre for Cities, essa tendência “ajuda as cidades não apenas a ordenar o seu trabalho, mas também garante a sua capacidade institucional de longo prazo para sustentar o envolvimento internacional”.

Como é que as cidades europeias estão a utilizar a diplomacia

O segundo relatório, City Administrations and EU Affairs, em coautoria com a Universidade de Lausanne e a Eurocities, analisou mais de perto a forma como as cidades organizam o seu trabalho sobre os assuntos da UE. A investigação, baseada num inquérito a 24 cidades e em entrevistas aprofundadas, revela que, embora a maioria das cidades disponha agora de equipas da UE, subsistem desafios:

A forma como as cidades organizam o envolvimento da UE é muito variada. Alguns integram equipas da UE no gabinete do presidente da Câmara, outros em departamentos de relações internacionais ou de clima.

A falta de coordenação entre as equipas da UE e os serviços sectoriais continua a ser um obstáculo fundamental.

O apoio político é essencial. As cidades com forte apoio dos autarcas e coordenação interdepartamental são significativamente mais eficazes na definição das políticas da UE.

“Uma das descobertas mais interessantes é que o design institucional é importante”, disse Carlo Epifanio, pesquisador do Instituto de Estudos Políticos da Universidade de Lausanne e coautor do relatório. “As cidades que adequam as suas estruturas internas aos seus objectivos diplomáticos, seja lobby, acesso a financiamento ou cooperação transfronteiriça, estão mais bem posicionadas para ter sucesso”.

É importante ressaltar que o estudo também destacou as disparidades. As cidades pequenas e secundárias debatem-se frequentemente com capacidades limitadas, competências linguísticas ou mandatos políticos, o que as torna menos capazes de aproveitar as oportunidades da UE. Em contrapartida, as grandes cidades ou as capitais beneficiam de equipas estabelecidas, de uma maior visibilidade nacional e das redes existentes da UE.

Esta evidência aponta para a necessidade de um esforço mais sistémico para desenvolver capacidades em todos os domínios, um ponto repetido pelos oradores ao longo da conferência.

«Temos de garantir que cidades de todas as dimensões, e não apenas capitais, possam interagir com a Europa e o mundo», afirmou Reviglio. “Caso contrário, corremos o risco de aumentar o fosso entre aqueles que podem moldar a política e aqueles que apenas podem implementá-la”.

Diplomacia da cidade em acção: Barcelona, Budapeste e Tallinn

O painel de discussão pratica com testemunhos de três cidades, Barcelona, representada por Mar Jimenez, Comissária responsável pelos Assuntos Europeus, mostrou a sua nova liderança na diplomacia da habitação. A cidade lançou a Mayors4Housing Alliance, uma coligação de 15 autarcas de grandes cidades europeias, incluindo Budapeste, Paris, Gante e Amesterdão, para promover uma acção mais forte da UE em matéria de habitação a preços acessíveis.

“A habitação é a nova linha da frente”, disse Jimenez. “Estamos perante uma crise social que corre o risco de minar o próprio projecto europeu. As nossas cidades precisam de ferramentas e financiamento, mas também de soluções. É por isso que estamos a adoptar uma abordagem estratégica, multinível e política”.

Budapeste, representada por Benedek Jávor, chefe da representação da cidade na UE, ofereceu uma perspectiva a partir de uma situação nacional mais restrita. Com um apoio nacional limitado e uma oposição política a nível interno, Budapeste utilizou a diplomacia das cidades para defender a autonomia local e garantir os recursos da UE. A cidade desenvolveu posições detalhadas sobre financiamento, habitação e liberdade de género, e é um membro vocal de várias alianças de presidentes de Câmara.

“Isto não é apenas comunicação, é diplomacia profissional”, disse Jávor. «Precisamos de pessoal qualificado, de mensagens claras e de uma presença constante em Bruxelas. É por isso que fundamos uma Academia de Diplomacia da Cidade para formar uma nova geração de diplomatas municipais.”

Tallin, representada por Krista Kampus, Directora da UE e dos Assuntos Internacionais, centrou-se nos esforços da cidade para localizar os Objectivos de Desenvolvimento Social (ODS) das Nações Unidas através de uma sólida reforma da governação. O Sustainability Governance Peer Learning Hub de Tallinn reúne autoridades municipais, parceiros internacionais e grupos de reflexão para melhorar a forma como as cidades planeiam e aplicam políticas transformadoras.

“A diplomacia da cidade não é apenas sobre lobby, é também sobre melhorar a nós mesmos”, explicou Kampus. “Através do envolvimento internacional, reforçámos a forma como os nossos departamentos colaboram e como gerimos a mudança”.

Rumo a uma diplomacia mais estratégica das cidades europeias

Os participantes referiram a necessidade de uma abordagem estratégica a nível da UE. As cidades já estão a implementar a dimensão internacional do Pacto Verde, os ODS e os valores europeus, mas precisam de reconhecimento formal, ferramentas e investimento para reforçar este papel.

Os oradores apelaram também a um maior apoio da UE no reforço das capacidades, incluindo novos programas de formação, gabinetes cofinanciados e plataformas inclusivas para apoiar as cidades mais pequenas.

Da investigação à política, da acção local à cooperação internacional, a conferência sublinhou que a diplomacia das cidades não é opcional, é uma parte essencial da forma como a Europa pode navegar na complexidade e construir resiliência.

“Isto é uma profissão”, concluiu Jávor. “E, como toda profissão, precisa de investimento, treino e respeito”.

Ligar os elementos de prova à acção

Para apoiar as cidades a navegar neste campo em rápida mudança, a Eurocities está a intensificar o seu trabalho para ligar a investigação académica à prática do mundo real. A Eurocities uniu forças com a Universidade de Lausanne e a Universidade de Melbourne para publicar um novo estudo político no portal City Diplomacy Lab.

Este estudo político conjunto, City Diplomacy in times of multiple crisiss: trends, structures and opportunities, oferece tanto um retrato da situação actual da diplomacia das cidades como um apelo a um investimento mais estratégico nos sistemas que a suportam. Entre as suas principais mensagens:

Muitas cidades dispõem agora de equipas dedicadas aos assuntos da UE ou internacionais, mas a coordenação e os recursos continuam a ser desafios fundamentais.

A diplomacia das cidades é muitas vezes sub-priorizada nas administrações locais, limitando o seu impacto potencial.

É essencial reforçar as competências e as capacidades dos colaboradores, nomeadamente através de formação adaptada e da aprendizagem entre pares.

À medida que os governos nacionais demonstram maior interesse na diplomacia das cidades, as cidades devem encontrar formas de proteger a sua autonomia e, ao mesmo tempo, promover a cooperação.

Este estudo marca o primeiro passo de uma nova iniciativa da Eurocities para acompanhar sistematicamente os desenvolvimentos na diplomacia das cidades através da colaboração regular com académicos de renome. Ao construir ligações mais fortes entre a evidência e a prática, a Eurocities visa dotar as cidades das ferramentas, conhecimentos e reconhecimento de que necessitam para moldar o futuro da Europa a nível mundial.

Edição e adaptação de João Palmeiro com Eurocities/Andrew Kennedy