Pular 7 ondas é uma tradição popular brasileira com raízes na Umbanda. Em homenagem à orixá Iemanjá, que purifica e renova para o ano que chega, cada pulo corresponde a um desejo ou agradecimento
O Ano Novo está próximo. Mas calma: só chega em Abril e será o de 2083, segundo o calendário Bikram Sambat, da comunidade nepalesa. Se isto o confunde, imagine a cabeça de quem descobre que o Pai Natal local dificilmente terá ouvido falar do dal bhat – arroz com lentilhas, servido com acompanhamentos que podem incluir caril de cabra ou de frango – ou do gundruk, vegetais de folha fermentados, típicos do Nepal.
Portugal é um mosaico de sotaques e tradições. Quando as luzes se acenderem, a quadra será celebrada numa fusão cultural em que o frio do Inverno europeu se cruzará com os costumes do mundo todo.
Para os brasileiros, as festas são, em primeiro lugar, um choque de temperatura. Habituados a celebrar a consoada no auge do Verão, deparam-se com a necessidade de estarem bem agasalhados. A maior curiosidade surge na passagem de ano, o chamado réveillon. No Brasil, a regra é de ouro – ou melhor, de branco: veste-se com a cor desejando paz, e muitos saltam sete ondas em honra de Iemanjá, orixá africana a quem se pede sorte e protecção, prática muito popular principalmente na Bahia e no Rio de Janeiro. À mesa, o peru e o chester tentam destronar o bacalhau, e o panettone trava uma disputa acirrada com o Bolo-Rei.
Nas casas angolanas, o peixe disputa a atenção com a muamba de galinha, enquanto nas cabo-verdianas reina a cachupa. Partilhando uma matriz católica, a família estende-se aos vizinhos e aos amigos, provando que o calor da quadra se transporta no coração, independentemente da chuva lá fora.
Os ucranianos trazem consigo o Sviata Vecheria, seu jantar sagrado. O Natal ortodoxo celebrou-se, durante muito tempo, a 7 de Janeiro, porém, nos últimos anos, muitas comunidades ucranianas passaram a assinalá-lo no dia 25 de Dezembro, num gesto de aproximação à Europa e de distanciamento da Rússia. À mesa, não há carne na véspera. A estrela é a kutia, um doce de trigo, sementes de papoila e mel, acompanhado, por tradição, de outros 11 pratos sem carne, perfazendo 12 – um por cada apóstolo de Cristo. É uma celebração introspectiva em que, em algumas famílias, deixa-se um lugar vazio à mesa em memória dos antepassados.
Já para os chineses, o 31 de Dezembro é uma data simpática, mas a verdadeira festa é móvel. O Ano Novo Lunar, ou Festival da Primavera, chega, em regra, entre o final de Janeiro e o mês de Fevereiro. Enquanto nós guardamos as decorações, eles preparam envelopes vermelhos, os hongbao, com dinheiro, para dar sorte. O peixe é essencial, tal como para os portugueses, mas, em algumas tradições, evita-se comer a cabeça e a cauda na noite da festa, para que a abundância comece no início do ano e se prolongue até ao fim. E nada de varrer a casa nos primeiros dias: varrer o chão é, para muitos, varrer a sorte para fora da porta.
Para a comunidade britânica, nomeadamente no Algarve, certas rotinas da quadra soam invertidas. Em muitas casas portuguesas, os presentes abrem-se à meia-noite do dia 24. Já no Reino Unido, é comum que se abram na manhã do dia 25. Há também os Christmas crackers, um hábito particular constituído por tubos de cartão que estalam e de onde sai uma piada seca e uma coroa de papel colorida que, do avô ao neto, muitos acabam por usar durante o almoço.
Para hindus e muçulmanos, o Natal não é, em termos religiosos, uma data central. Ainda assim, no contexto português, pode ser vivido como ocasião social. Nota-se, por vezes, uma fusão curiosa: a data torna-se um momento de luzes partilhadas, em que o Diwali, a Festa das Luzes indiana, e as iluminações municipais parecem dialogar. Para alguns bangladeshianos, o período é também aproveitado para festivais de Inverno e para o convívio comunitário durante a pausa no trabalho.
No fundo, o Natal e o Ano Novo estão a ganhar outras cores. E Portugal a ser protagonista, cada vez mais, do mundo inteiro.
Se, em meados de Abril, ouvir foguetes, não se assuste: é apenas o vizinho nascido no sopé do Himalaia a dizer “Feliz Ano Novo”. E Boas Festas!
Texto: Marcelo Domingues Tomaz