Coimbra  28 de Dezembro de 2025 | Director: Lino Vinhal

Semanário no Papel - Diário Online

 

Joana Gil

Feliz Natal!

19 de Dezembro 2025

O Natal há muito que transbordou o cálice da religião e se tornou numa festa de larguíssimo alcance, centrada nos valores da solidariedade, da família, da compaixão ou do amor ao próximo. Há mérito nesta expansão do Natal para além dos preceitos religiosos, tocando o coração das pessoas independentemente da sua fé. Por outro lado, Natal é agora também sinónimo de Pais-Natais, renas, neve (que não consta tivesse caído em Belém quando Jesus nasceu), trenós, ursos polares, fitas, guizos, azevinhos, árvores, bolas e muitas, muitas, demasiadas luzes, a piscar ou em contínuo, acompanhadas de toda uma parafernália de gosto por vezes duvidoso cuja relação com o Natal em sentido tradicional já passou de evanescente a inexistente. É o Natal do mundo Ocidental no século XXI. Demasiado consumista, mas ainda assim alicerçado em valores que são, de uma maneira geral, caros a todos nós.

Porém, o Natal está em crise. Crise económica? Crise espiritual? Porventura ambas, mas também crise linguística. Dizer “Feliz Natal” vai sendo cada vez mais raro. Se na Bélgica a percentagem de muçulmanos rondará os 7%, na capital ela sobe até perto dos 20%. Alguns estudos de 2015 apontavam para 24%, outros mais recentes indicam 17%. Uma larga fatia dos residentes da cidade não encara o Natal como um momento festivo, atenta a natureza cristã das celebrações. Em Bruxelas, um dos mais famosos mercados de Natal do mundo dá, desde há alguns anos a esta parte, pelo anódino nome de “Plaisirs d’hiver” (Prazeres de Inverno, numa tradução livre e algo limitada, porque “plaisirs” tem um sentido mais amplo que “prazeres”). Em Bruges o Mercado de Natal passou a ser o Mercado de Inverno e em Mons passou a “Mon Coeur en Neige”. Vale tudo menos dizer Natal.

As comunicações institucionais de empresas multinacionais ou de organizações internacionais têm vindo a apagar progressivamente as referências ao Natal. “Festas Felizes” ou “Boas Festas” eram expressões clássicas que englobavam o conceito de Natal, mas mesmo essas têm vindo a ser paulatinamente substituídas pelo novel conceito de “Boa Época de Final de Ano!”, como se o 25 de Dezembro fosse essencialmente o 6.º dia anterior ao Ano Novo e devêssemos celebrá-lo apenas por essa razão.

Na Bélgica as referências ao Natal são escassas – e até atrevidas! Afinal, o politicamente correcto é não desejar bom Natal, sinal de modernidade e intelecto cuidado, atento à diversidade e ao dever de jamais, em caso algum, arriscar ofender alguém que não o celebre. A Jeunesse à Bruxelles, organismo público responsável pela organização de actividades de tempos livres para enquadramento da infância e juventude, já deu a volta ao problema: o Natal é a “Pausa de Inverno”, a Páscoa é a “Pausa de Primavera”, as férias de Verão, ao menos aqui com sentido, são chamadas de “Pausa de Verão” e as férias de Todos-os-Santos levam a designação de “Pausa de Outono”. Resta o Carnaval, que fica com o perturbador nome “congé de détente”, algo como “pausa de descanso” (as pausas sazonais convidarão porventura menos ao repouso). O zénite desta sanha atinge-se agora com a organização de uma festa em Dezembro: festa de Natal? Não se ousaria tal. É a auto-intitulada Festa do Solstício de Inverno! Suponho que organizarão um atelier de danças saturnais.

Chegados aqui, resta dizer, com muita alegria: a todos um Feliz Natal!