Coimbra  28 de Dezembro de 2025 | Director: Lino Vinhal

Semanário no Papel - Diário Online

 

Hélder Ribau

Decidir é o melhor remédio

19 de Dezembro 2025

A inauguração do Sistema de Mobilidade do Mondego é, antes de mais, um momento de chegada. Não apenas de um sistema de mobilidade, mas de um ciclo longo, demasiado longo, que atravessou governos, executivos, expectativas, impaciências e descrenças. Um projeto que se tornou, ao longo do tempo, mais do que uma obra pública ou um simples sistema de transporte: transformou-se num símbolo das dificuldades do Estado em decidir, executar e concluir.

Chegados aqui, pouco interessa apontar responsabilidades individuais. O tempo, esse juiz implacável, já fez o seu trabalho. Os contextos mudaram, as pessoas passaram, os enquadramentos políticos e financeiros evoluíram. O que verdadeiramente importa – e importa muito – é perceber o que este percurso nos ensinou e, sobretudo, garantir que não repetimos os mesmos erros no presente nem no futuro.

Projetos públicos desta dimensão não falham apenas por razões técnicas. Falham, muitas vezes, por excesso de prudência, por medo da decisão, por adiamentos sucessivos que vão sendo justificados como cautela, quando na verdade são hesitação. E a hesitação, na gestão pública, tem um custo elevado: financeiro, político, social e, acima de tudo, de confiança.

Cada revisão, cada interrupção, cada recomeço teve impactos concretos. Custos que aumentaram, soluções que se tornaram mais complexas, cidadãos que perderam a perceção de utilidade e de sentido. O Sistema de Mobilidade do Mondego ensinou-nos isso de forma clara: a lentidão não é neutra. Não é apenas um detalhe administrativo ou um problema interno dos serviços. É um fator de desgaste coletivo.

Cada ano perdido não foi apenas um atraso no calendário; foi um ano de oportunidades desperdiçadas, de territórios à espera, de empresas a adiar decisões, de pessoas a ajustar a sua vida a uma promessa que parecia nunca se cumprir. A dúvida prolongada é, em si mesma, uma forma de falhanço.

Não se trata de defender decisões irrefletidas ou apressadas. Trata-se de compreender que decidir é uma responsabilidade política inadiável. Entre decidir e não decidir, a pior opção é quase sempre a segunda. Porque a ausência de decisão também é uma decisão – só que sem rosto, sem coragem e sem direção. E quando ninguém decide, todos pagam.

Há uma lição essencial que este processo deixa para o futuro: projetos estruturantes exigem liderança contínua, clareza estratégica e capacidade de assumir riscos calculados. Exigem, sobretudo, a coragem de avançar mesmo quando o consenso não é absoluto e quando o caminho não está completamente livre de obstáculos. A ideia de que é possível esperar por condições perfeitas é uma ilusão confortável, mas paralisante.

 

Um ponto de partida

 

A inauguração do sistema de mobilidade não deve ser apenas celebrada como um fim. Deve ser usada como ponto de partida para uma mudança de atitude. Uma mudança na forma como olhamos para o tempo, para o risco e para a responsabilidade de quem decide. Coimbra – e o país – não podem continuar reféns de processos intermináveis, de estudos que se acumulam, de decisões que esperam sempre pela “melhor altura”.

A melhor altura raramente chega sozinha. Constrói-se. Constrói-se com escolhas claras, com calendários exigentes e com a noção de que adiar tem custos tão reais quanto errar. A diferença é que o erro pode ser corrigido; a inação prolongada corrói.

O futuro da mobilidade, da coesão territorial e da sustentabilidade não se faz apenas com bons projetos desenhados em papel. Faz-se com tempo útil, com execução consistente e com a capacidade de aprender enquanto se avança. Faz-se com instituições que assumem que decidir é parte essencial do serviço público.

Aprender com o passado não é reviver os erros; é garantir que eles não se tornam padrão. É transformar uma experiência longa e difícil numa referência para fazer melhor a seguir.

Hoje, mais do que inaugurar uma infraestrutura de mobilidade, importa inaugurar uma nova cultura de decisão. Mais exigente, mais responsável e mais consciente dos custos do adiamento. Uma cultura que perceba que o interesse público não se protege evitando decisões, mas assumindo-as.

Porque, no fim de contas, decidir continua a ser o melhor remédio.

(*) Economista