Coimbra  9 de Novembro de 2025 | Director: Lino Vinhal

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Ana Bastos: “Saio de coração cheio e sentimento de missão cumprida”

9 de Novembro 2025 Jornal Campeão: Ana Bastos: “Saio de coração cheio e sentimento de missão cumprida”

Figura de reconhecido mérito no domínio do urbanismo e da mobilidade, Ana Bastos tem conciliado a carreira académica com a actividade autárquica, contribuindo de forma consistente para o planeamento e o desenvolvimento sustentado da cidade de Coimbra. Enquanto vereadora da Câmara Municipal de Coimbra, assumiu pelouros de grande complexidade e impacto público: Planeamento e Estudos Estratégicos, Gestão Urbanística, Reabilitação Urbana, Espaço Público, Edifícios e Equipamentos Municipais, Transportes e Mobilidade, Sistemas de Informação e Cadastro, imprimindo uma visão integrada e técnica ao exercício das suas funções. Doutorada em Engenharia Civil, na especialidade de Urbanismo, Transportes e Vias de Comunicação, pela Universidade de Coimbra, é docente no seu Departamento de Engenharia Civil, onde desempenhou diversos cargos de coordenação e direcção.

 

Campeão das Províncias [CP]: Foi um mandato exigente. Voltaria a aceitar este desafio?

Ana Bastos [AB]: Foi, de facto, um mandato difícil, mas um desafio que aceitei com muito gosto. E voltaria a aceitá-lo, sem dúvida. Não diria que tenha sido mais complicado do que esperava. Sou uma pessoa muito consciente e, quando dou um passo em frente, raramente o faço em falso ou sou surpreendida. Estive sempre a trabalhar nas áreas em que tenho maior competência, e isso fez toda a diferença. Aceitei apenas os pelouros em que sabia poder acrescentar algo e fazer diferente. Saio com o sentimento de missão cumprida, de coração cheio. Fizemos muito, mudámos muita coisa e mudámos para melhor. Por isso, parto com a consciência tranquila e com a sensação de dever cumprido.

 

[CP]: Foi uma experiência diferente do percurso académico e técnico que vinha a desenvolver. Gostou da actividade política?

[AB]: Gostei muito. Sou engenheira civil de formação e professora na Universidade de Coimbra, onde sempre leccionei Engenharia. Ter a oportunidade de aplicar essa formação em contextos reais de decisão foi uma mais-valia enorme.

Ao longo da minha carreira passei praticamente por todas as vertentes da Engenharia: investigação, ensino, fiscalização, direcção de obra, projecto e estudos. Faltava-me apenas a dimensão da decisão e tive essa oportunidade durante estes quatro anos.

Decidir não é, de todo, mais fácil do que projectar; pelo contrário. É o acto final, aquele que concentra a responsabilidade maior. Essa experiência enriqueceu-me muito, pessoal e profissionalmente.

Hoje posso dizer que percorri todas as etapas da Engenharia e que as exerci de forma plena. Foi, sem dúvida, uma experiência de grande valor e, por isso, volto a afirmar: voltaria a aceitar.

 

[CP]: Sentiu reconhecimento e respeito ao longo destes quatro anos?

[AB]: Sim, senti sempre e continuo a sentir. Ao longo destes anos, o respeito esteve sempre presente, tanto no plano pessoal como no profissional. É verdade que houve críticas, mas apenas do ponto de vista político e essa foi sempre uma dimensão que nunca levei demasiado a peito. Para mim, a componente profissional esteve sempre em primeiro lugar.

Sempre encarei as funções com sentido técnico e de serviço público, e penso que isso foi reconhecido. Senti sempre respeito pela minha actividade, nunca me senti ofendida ou desrespeitada, salvo raríssimas excepções.

Sou, acima de tudo, uma mulher de trabalho. Entrava na Câmara pouco depois das nove da manhã e saía muitas vezes apenas pelas nove ou nove e meia da noite. Jantava e continuava a trabalhar até às duas da manhã. Essa dedicação acabou por me proteger: mantive-me concentrada naquilo que mais gosto de fazer, trabalhar, e afastei-me do ruído exterior.

Por isso, saio de consciência completamente tranquila, com a serenidade de quem deu tudo o que podia e fez o melhor que sabia.

 

[CP]: Pondera regressar ao poder ou esta etapa política fica, por agora, concluída?

[AB]: Neste momento, não estou disponível para regressar ao poder. Vou cumprir o mandato para o qual fui eleita, mas a partir da oposição, com uma postura crítica e construtiva.

Já exerci essa função anteriormente, durante o mandato do doutor Manuel Machado, e fui reconhecida pelo respeito e dedicação à cidade. Critiquei o que considerava errado e, quando tive oportunidade, corrigi o que foi possível: como no Sistema de Mobilidade do Mondego, onde introduzimos melhorias significativas. Orgulho-me do trabalho realizado nestes quatro anos.

Agora, quero regressar à Universidade, onde tenho colegas e alunos à minha espera. Daqui a quatro anos, espero continuar viva e saudável, mas não na política; essa nunca foi a minha aspiração.

 

[CP]: Esperava este resultado eleitoral ou foi uma surpresa para si e para o executivo?

[AB]: Não, tenho de admitir que não estava à espera deste resultado. Aliás, penso que ninguém no executivo estava. Foi, de facto, uma surpresa. Ainda assim, é um resultado que aceitamos com naturalidade e legitimidade: os eleitores fizeram a sua escolha de forma consciente e isso merece todo o respeito.

O executivo, no seu conjunto, acreditava que o trabalho desenvolvido justificava a continuidade. Tínhamos iniciado muitos projectos e dossiês que considerávamos fundamentais para o futuro de Coimbra e que, sinceramente, esperávamos poder acompanhar e concluir durante mais quatro anos. Espero que tenham continuidade, porque interrompê-los seria muito negativo para a cidade, para o concelho e para a região.

 

[CP]: Quais são os projectos que lhe deixam maior mágoa por não os ter finalizado?

[AB]: Não sinto mágoa, mas sim pena de não ter conseguido levar mais adiante quatro dossiês fundamentais para Coimbra.

O primeiro é a revisão do PDM para revisão das políticas de transformação do solo: iniciámos dois anos de trabalho intenso, com alterações pontuais que tornaram o solo mais competitivo para a actividade económica, mas há ainda um longo caminho a percorrer.

O segundo é a alta velocidade e o Plano de Pormenor da Estação de Coimbra, concebida como centralidade intermodal, integrando comboios, Metrobus, central de camionagem e percursos pedonais e cicláveis. O plano está concluído e praticamente pronto a ser aberto a discussão pública, mas ainda há risco de parar ou de se optar por soluções menos eficientes, como Taveiro.

O terceiro é o Sistema de Mobilidade do Mondego (Metrobus), um projecto técnico complexo que envolveu renovação de infra-estruturas subterrâneas, gestão de achados arqueológicos e manutenção dos serviços essenciais, para um sistema de transportes seguro e funcional.

O quarto é a reconfiguração da rede dos SMTUC e a bilhética integrada, mudança estrutural que exigiu três anos de trabalho, desde logo com a Universidade de Coimbra. O processo que já se encontra na segunda fase de desenvolvimento, só poderá avançar para a sua implementação depois da entrada em funcionamento do Metrobus e da disponibilização do bilhete único.

Embora os dossiers não estejam concluídos, estão já em fase bastante avançada. Fizemos o melhor possível pelo desenvolvimento da cidade, deixando alicerces sólidos para que o trabalho continue com êxito.

 

[CP]: Como está a frente ribeirinha e qual é o futuro deste espaço em Coimbra?

[AB]: Está em curso, com conclusão prevista para o primeiro trimestre de 2026, a requalificação e valorização do espaço público ao longo da frente ribeirinha. O canal do Metrobus e a área envolvente está em construção, num espaço de grande qualidade destinado à fruição urbana, peões, modos suaves e transporte público, incluindo zonas arborizadas, quiosques e áreas de estadia, numa estrutura de verde continua entre o Parque Verde e o Choupal. Depois da abertura da ligação R. dos Oleiros, outras estão previstas nos próximos meses, numa verdadeira aproximação da cidade ao rio.

O custo da requalificação é totalmente suportado pelas Infraestruturas de Portugal, num investimento de cerca de três milhões de euros, resultado da negociação frutífera com a Câmara Municipal. Aproveitámos também para resolver problemas antigos de drenagem e saneamento, através da substituição da adutora e do emissário integrados na frente ribeirinha.

 

[CP]: A abertura do serviço preliminar do Metrobus foi tecnicamente adequada ou houve também motivações políticas?

[AB]: A abertura do serviço preliminar foi correcta e aconselhável. Esta fase é essencial para testar o sistema, fidelizar as pessoas, ajustar e optimizar o seu funcionamento nas diferentes componentes.

Quanto ao engenheiro João Marrana, só posso reiterar o que sempre disse: nutro por ele um enorme respeito profissional e pessoal. Somos amigos há mais de trinta anos, mas, acima de tudo, reconheço-lhe competência, qualificações e verticalidade. O trabalho que desenvolveu à frente da Metro Mondego foi extraordinário e fundamental para o avançado ponto em que o sistema se encontra hoje. Espero sinceramente que continue a exercer estas funções.

 

[CP]: O presidente da Câmara nunca foi obstáculo ao seu trabalho? E como sai desta experiência?

[AB]: Não, nunca senti qualquer obstáculo. Tivemos sempre uma relação cordial e, embora nem sempre estivéssemos de acordo, considero que a discussão construtiva é saudável e muitas vezes gera as melhores soluções. O senhor presidente é inteligente e perspicaz; discutimos directamente os dossiês mais relevantes, confrontámos argumentos e, na maioria das vezes, chegámos a consensos. Saio com a consciência tranquila, certa de ter feito o melhor que sabia pela cidade de Coimbra.

Lino Vinhal/Joana Alvim