Coimbra  11 de Novembro de 2025 | Director: Lino Vinhal

Semanário no Papel - Diário Online

 

Maria J. Paixão

Uma Assembleia Municipal com mais democracia

7 de Novembro 2025

 

Decorrido o ato eleitoral e o ato de instalação dos órgãos autárquicos, é momento de recordar que a democracia não se esgota no exercício do direito de voto e do mandato pelos eleitos. A qualidade da democracia constrói-se, aliás, tanto no ato eleitoral como na intervenção cívica; pelos representantes, mas também pelos representados. Assim, um concelho com autênticas aspirações democráticas não pode deixar de garantir vias de participação dos cidadãos, que permitam uma contribuição ativa e continuada no governo municipal.

Tais mecanismos de cidadania ativa não estão, todavia, disponíveis aos conimbricenses. Em resultado, fica mais pobre a vida democrática da cidade, ao arrepio do que são as boas práticas um pouco por todo o lado. Ficam empobrecidos os órgãos autárquicos, que perdem a oportunidade de escutar e aprender com a experiência e o conhecimento dos munícipes; e fica empobrecida a cidadania, com prejuízos evidentes para o dinamismo do debate público e para a transparência da governação autárquica.

Exemplo paradigmático deste défice democrático é o Regimento da Assembleia Municipal, aprovado há já mais de uma década. Em vez de facilitar a intervenção do público e a participação dos cidadãos, o Regimento em vigor torna a Assembleia Municipal um órgão com tendência para se fechar sobre si mesmo, distanciando os cidadãos e as entidades associativas que vão surgindo na cidade.

Desde logo, ao contrário do que se verifica, por exemplo, nos Regimentos das Assembleias Municipais de Lisboa e Porto, o Regimento aprovado em 2015 não prevê expressamente a obrigatoriedade do período de intervenção do público tanto nas reuniões ordinárias como extraordinárias. Ademais, a intervenção do público só é possível mediante pedido prévio com antecedência mínima de 5 dias. Os últimos anos mostram-nos que este regime é altamente restritivo, sendo raríssimas as ocasiões em que ocorreram, de facto, intervenções. Não garantindo um período obrigatório em todas as reuniões e exigindo pedido prévio com significativa antecedência, o Regimento desincentiva e burocratiza a intervenção do público – perdendo-se, desta forma, a oportunidade de enriquecer o debate e os trabalhos da Assembleia.

Além disso, e, porventura, com maior gravidade ainda, o Regimento da Assembleia Municipal de Coimbra é completamente omisso quanto ao direito de petição. Este que é um direito fundamental, consagrado na Constituição e regulado por lei. Não se compreende, por isso, o silêncio do Regimento a este respeito. Ao Regimento cabe, à semelhança do que acontece  noutros municípios, não só reconhecer o direito de petição, como também criar condições exequíveis para o seu exercício. Em particular, deve o Regimento prever um número de subscrições a partir do qual a apreciação das petições é obrigatória.

Esta é uma questão elementar, cuja omissão muito diz sobre a qualidade da democracia local em Coimbra. Num tempo como o nosso, aliás, só faria sentido que o Regimento previsse a criação de uma plataforma online, por via da qual as petições pudessem ser submetidas, permitindo aos subscritores e aos cidadãos em geral acompanhar o andamento do processo.

Deste modo, a revisão do Regimento da Assembleia Municipal só peca por tardia, bastando observar as práticas que têm sido seguidas noutros concelhos do país para compreender o anacronismo do Regimento em vigor.  Essa revisão permitirá, não só assegurar o direito de petição e a obrigatoriedade do período de intervenção do público em todas as reuniões, mas também outros mecanismos de cidadania ativa necessários para revitalizar a esfera pública local.

O desmazelo com que a questão tem sido tratada é sugestivo de uma certa visão formal da democracia, que contribui para minar a confiança dos cidadãos nas instituições e na representação política. Volvidos quatros anos de mandato em que a promessa de revisão do Regimento ficou por cumprir, será agora tempo de resgatar essa tarefa. A Assembleia Municipal deve ser um fórum de escuta, tanto quanto é um fórum de deliberação. O diálogo, para ser democrático, não pode ser meramente interno; deve ser aberto e participado. Por isso, o Bloco de Esquerda assume o compromisso de dar prioridade à revisão do Regimento, apresentando essa proposta na primeira sessão de trabalho efetivo da Assembleia Municipal.

(*) Eleita do Bloco de Esquerda para a Assembleia Municipal de Coimbra, Assistente convidada da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra