Uma década no estrangeiro dá outra perspectiva aos nossos usos e costumes, incluindo os gastronómicos. Que a gastronomia portuguesa é magnífica, rica, variada e deliciosa já todos sabemos. Mas certos pormenores passam despercebidos até nos olharmos de fora.
Uma incursão pela lista dos mais afamados pratos da cozinha tradicional belga mostra que chocolate, gaufres e batatas fritas têm lugar de destaque. O elenco é pontuado por belas presenças de peixe e marisco, em especial moules-frites e waterzooï, mas também de pratos reconfortantes para os dias frios, como a carbonnade flamande ou o stoemp.
O que não há nos pratos tradicionais é arroz. Procurando por comida tradicional belga, o arroz aparece apenas na tarte de arroz de Verviers, uma especialidade belga da cidade que dá nome àquele doce. Não admira que um português não se aperceba da importância do arroz – é apenas encarado com naturalidade, dada a sua omnipresença. Portugal é, aliás, um relevante produtor de arroz: somos o quarto maior produtor europeu de arroz, com 32 mil hectares de arrozais que produzem 160 mil toneladas por ano e que nos deixam atrás apenas de Itália, Espanha e Grécia. É nos vales do Sorraia e Tejo que se concentra metade da produção nacional, ficando 30 % para as lezírias do Sado e os restantes 20 % para o Mondego. De todo o arroz produzido, uma parte é exportada, pelo que o nosso autoaprovisionamento rondará os 60 %. O restante soluciona-se com recurso à importação. O que interessa é que não falte na mesa o arroz, solto ou malandro, que compõe qualquer refeição. O mítico arroz de tomate. O aconchegante arroz de feijão. O bonito arroz de cenoura. O equilibrado arroz de ervilhas. O incomparável arroz de espigos. Isto só para lembrar o arroz como humilde acompanhamento. Podíamos depois pensar no arroz de peixe (alguns com menção especial, como o arroz de tamboril), no arroz de bacalhau (há boas razões para não entrar imediatamente na categoria de “peixe”, sendo para mim uma idiossincrática e portuguesíssima categoria autónoma), no arroz de pato, no arroz de miúdos. E se nos quisermos adentrar nos regionalismos, temos o arroz de lampreia do Minho, bem no Centro o maranho, ainda nas Beiras a morcela de arroz. E nem os doces escapam: o arroz doce é uma sobremesa tradicional incontornável. E não há nenhuma pastelaria deste país digna desse nome que não tenha na montra o bolo de arroz (de preferência com a faixa que diz “especialidade da casa” – é extraordinário que todas as nossas pastelarias, por divina coincidência, sejam particularmente especializadas em bolos de arroz…). A lista peca pela sua incompletude, mas já ajuda a explicar que os portugueses sejam o povo europeu que mais arroz consome: andamos acima dos 16 kg per capita por ano (com alguns gramas per capita atirados aos noivos nos casamentos, dada a simbologia do arroz), enquanto os belgas se ficam pelos 11 kg, ainda assim bem acima da média europeia, que anda perto dos 6 kg anuais por pessoa.
Se algum belga ou outro estrangeiro alguma vez disser que não conhece bem a gastronomia portuguesa ou que nenhum dos nossos pratos lhe parece convidativo, será bem oportuno dizer-lhe “Espera lá que eu já te dou o arroz”. Ficará certamente rendido.