Coimbra  1 de Novembro de 2025 | Director: Lino Vinhal

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Gouveia e Melo: “Não dependo de estruturas partidárias ou interesses corporativos”

1 de Novembro 2025 Jornal Campeão: Gouveia e Melo: “Não dependo de estruturas partidárias ou interesses corporativos”

Em entrevista ao “Campeão das Províncias”, na semana em que visitou o distrito de Coimbra, o Almirante Henrique Gouveia e Melo, candidato à Presidência da República, acredita que “pode contribuir para recuperar a credibilidade no sistema”. Para isso, considera ser “necessário promover um diálogo aberto dentro dos valores constitucionais e sem nunca abdicar dos princípios que garantem estabilidade ao País”. “O meu foco está em construir pontes e inspirar entendimentos entre diferentes visões de Portugal”, garante, lembrando que “há muitos portugueses desiludidos com a política actual”. Recorde-se que Gouveia e Melo esteve em contacto com as populações do Distrito de Coimbra nos dias 27 e 28 de Outubro, visitando instituições, empresas e serviços públicos, de modo a inteirar-se das realidades locais deste território. Participou também na conferência ‘Portugal Social – Saúde, Educação e Habitação’, que decorreu na Coimbra Business School, na passada terça-feira.

Campeão das Províncias [CP]: Apresenta-se como o “único candidato verdadeiramente independente” na corrida a Belém. Quais as diferenças que o colocam nesta posição em relação a todos os outros candidatos e o que o distingue de cada um deles no espaço ideológico?

Henrique Gouveia e Melo [HGM]: Os partidos parecem querer transformar estas eleições presidenciais numa segunda volta das legislativas. Todos já apresentaram os seus candidatos, o que reforça o carácter independente e suprapartidário da minha candidatura. Não dependo de estruturas partidárias ou interesses corporativos, e isso dá-me liberdade para colocar sempre o interesse nacional à frente de quaisquer agendas.

 [CP]: Considera-se suprapartidário e fora do sistema. Essa condição é-lhe favorável ou a inexperiência política pode ser também determinante e menos favorável à sua candidatura? A experiência política não é igualmente importante?

[HGM]: Posso não ter experiência partidária, mas servi Portugal durante 45 anos enquanto estive na Marinha, muitas vezes em situações muito exigentes, a nível nacional e internacional. Os partidos são fundamentais na democracia, contudo, não devem ter intervenção na Presidência. Por isso, se o sistema são os partidos e os seus interesses, eu estou fora do sistema. Mas se o sistema é a democracia, então eu faço parte do sistema. A Presidência não é uma reforma dourada, muito menos um prémio de consolação para políticos de carreira. É uma missão ao serviço dos portugueses.

[CP]: Considerou recentemente que há uma “partidarização” destas eleições presidenciais. Isso pode prejudicá-lo? Em que medida?

[HGM]: Não vejo isso como um problema pessoal, mas como um alerta sobre o estado da democracia actual. Esta partidarização acentua o risco de transformar a Presidência num cavalo de Troia dos partidos, em vez de ser um factor de estabilidade e coesão. A Presidência deve unir, independentemente de partidos, ideologias ou jogos políticos.

 [CP]: Ao mesmo tempo que não rejeita votos de qualquer espectro político, já disse que se posiciona ao centro – entre o socialismo democrático e a social-democracia. Além destes portugueses, pretende ir também aos extremos? De que forma?

[HGM]: Não rejeito o voto de nenhum português. Sei que há muitos portugueses desiludidos com a política actual, mas acredito que posso contribuir para recuperar a credibilidade no sistema. É necessário promover um diálogo aberto dentro dos valores constitucionais e sem nunca abdicar dos princípios que garantem estabilidade ao País. O meu foco está em construir pontes e inspirar entendimentos entre diferentes visões de Portugal.

 [CP]: Como olha para a candidatura de André Ventura, tendo em conta que diz não entender por que razão o líder do Chega entrou na corrida? Isto altera a sua estratégia? E que mossa pode ter nos seus objectivos?

[HGM]: Respeito todas as candidaturas democráticas. Esta é apenas mais uma, que em nada altera a minha estratégia ou os meus objectivos.

 [CP]: Quais as motivações que o levaram a candidatar-se à Presidência da República e que Presidente pretende ser, comparativamente a todos os antecessores no cargo?

[HGM]: Vivemos tempos difíceis, que exigem convicção e capacidade para decidir. Candidato-me porque acredito verdadeiramente na coragem e capacidade dos portugueses. Juntos, podemos trabalhar para alcançar um futuro livre e próspero. Quero ser um Presidente que lidera pelo exemplo – como sempre o fiz na minha vida – que mobiliza as pessoas e as desafia. O papel da Presidência é garantir e defender a democracia, exigir uma boa governação, independentemente de onde venha, e impulsionar a mudança.

“Os portugueses percebem que sou exigente e confiável”

 [CP]: O trabalho que desempenhou na task force durante a pandemia de Covid-19 traz-lhe vantagens acrescidas junto do eleitorado? Que imagem acha que os portugueses têm de si?

[HGM]: A operação da vacinação foi um marco de eficiência e responsabilidade de serviço público, mas foi sobretudo uma prova de que os portugueses quando querem, quando estão motivados, alcançam grandes objectivos. Trouxe-me visibilidade num tempo difícil, mas expôs perante os portugueses a minha capacidade em coordenar respostas rápidas e eficazes perante uma crise. Acho que os portugueses percebem que sou exigente e confiável, características essenciais na Presidência da República.

[CP]: Porque demorou tanto tempo a desfazer o tabu de que era candidato?
[HGM]: Não houve demora no sentido de hesitação ou tabu. Esperei apenas para terminar as minhas funções na Marinha, no final de 2024, e garantir que teria condições adequadas para anunciar a candidatura de forma responsável.

 [CP]: A Saúde, a Defesa e a Segurança são algumas áreas que mais o preocupam a nível de reformas. Fale-me um pouco do que defende ser essencial mudar nestes sectores.
[HGM]:
São áreas que afectam directamente a qualidade de vida das pessoas e o nosso futuro colectivo, por isso é essencial repensar a sua organização. Na Saúde, é urgente colocar a prevenção e a qualidade de vida no centro, reforçando o Serviço Nacional de Saúde (SNS) com liderança clara, valorização dos profissionais, melhores condições de trabalho e combate ao burnout. A digitalização pode reduzir a burocracia e aproximar o cidadão dos cuidados de saúde. Na Defesa e Segurança, Portugal deve reconhecer os riscos de um mundo cada vez mais instável e assumir uma postura proactiva e vigilante. É importante reforçar o pilar europeu da NATO e proteger a geoestratégia portuguesa – o Atlântico, os cabos submarinos e a nossa ZEE – como activo essencial do Ocidente. A verdadeira Segurança vai além da dimensão militar: é garantir prosperidade, estabilidade e protecção para todos os portugueses.

“Inquietam-me os desafios que a nossa sociedade enfrenta”

 [CP]: Tem-se falado muito numa possível revisão constitucional. Já disse que não a considera urgente. Mas, caso seja eleito, está disponível para convocar ou promover um debate nacional sobre uma eventual revisão constitucional? Que “linhas vermelhas” considera inultrapassáveis?

[HGM]: A nossa Constituição não precisa de uma revisão, mas se houver uma vontade clara da sociedade, manifestada na Assembleia da República, naturalmente não me oporei. A Constituição é um instrumento vivo, cuja alteração compete à Assembleia. O que é importante é que qualquer discussão seja séria e centrada nos interesses do País, e não em agendas partidárias.

 [CP]: Se tivesse de usar o poder de veto apenas uma vez em todo o mandato, em que tipo de matéria política ou legislativa o exerceria, sem hesitação?

[HGM]: Usaria em qualquer lei que pudesse comprometer os princípios fundamentais do regime democrático. O Presidente só deve vetar leis que colidam de alguma forma com o regular funcionamento da democracia.

 [CP]: Em termos económicos e sociais, o que mais o preocupa?

[HGM]: O que mais me preocupa é que, enquanto sociedade, parecermos estar sem um rumo claro. Vejo uma crise na educação, que compromete o futuro do País. Inquietam-me os desafios que a nossa sociedade enfrenta: as tensões geopolíticas, as alterações climáticas e a fragilidade da economia, que se traduz em desigualdade crescente, no acesso limitado à habitação e na fuga de jovens. Precisamos de uma economia que distribua prosperidade. Estes são sinais de que é urgente coragem política para mudanças estruturais. Preocupa-me, sobretudo, ver que perante tantas dificuldades as pessoas se voltam umas contra as outras, quando o que mais precisamos é de união, empatia e sentido de comunidade.

 [CP]: Sobre o tema da imigração, qual a sua visão sobre esta matéria para Portugal? 

[HGM]: A imigração, devidamente regulada, pode ser um motor decisivo para o desenvolvimento do País. Defendo um equilíbrio que nos permita olhar para a imigração não como uma ameaça, mas como oportunidade de crescimento económico e de sustentabilidade da Segurança Social. Uma sociedade fechada, um País isolado, arrisca inevitavelmente o envelhecimento demográfico e a perda de bem-estar colectivo. Reconheço, contudo, que houve um período de grande descontrolo e falta de regulação, com impacto nos serviços públicos e na habitação, gerando tensões sociais. Os movimentos migratórios fazem parte da história e da transformação contínua dos países. Mas é essencial gerir este fenómeno, combatendo a exploração e a desinformação, e promovendo integração, coesão social e desenvolvimento sustentável.

 [CP]: Por fim, que tipo de campanha irá fazer e que candidato pretende ser junto do eleitorado?

[HGM]: Quero uma campanha positiva e esclarecedora, com transparência e baseada em soluções. Vou procurar dialogar directamente com os cidadãos, explicar as minhas propostas, ouvir preocupações e promover a unidade nacional. Será uma campanha centrada nos portugueses e nos desafios reais do País.

 Entrevista: Ana Clara (Jornalista do “Campeão” em Lisboa)

Publicada na edição em papel do Campeão das Províncias de quinta-feira, 30 de Outubro de 2025