Coimbra  26 de Dezembro de 2025 | Director: Lino Vinhal

Semanário no Papel - Diário Online

 

Mário Frota

Informação aos cidadãos: o rigor exigível no serviço público do audiovisual

22 de Outubro 2025

A Lei-Quadro de Defesa do Consumidor de 1996, a caminho, pois, dos 30 anos, tem uma exigência que os governos deixaram abominavelmente cair. Estabelece no n.º 2 do seu artigo 7.º:

“O serviço público de rádio e de televisão deve reservar espaços, em termos que a lei definirá, para a promoção dos interesses e direitos do consumidor.”

Um tal dispositivo jamais se concretizou.

A Lei do Acesso ao Direito e à Justiça de 2004 reza nomeadamente no n.º 1 do seu artigo 4.º, sob a epígrafe “Dever de Informação”:

“Incumbe ao Estado realizar, de modo permanente e planeado, acções tendentes a tornar conhecido o direito e o ordenamento legal, através de publicação e de outras formas de comunicação, com vista a proporcionar um melhor exercício dos direitos e o cumprimento dos deveres legalmente estabelecidos.”

Regra geral, o Ministério da Justiça “manda às malvas” um tal dever. Só Laborinho Lúcio, que abraçou tal pasta, fez algo nesse particular.

A RTP, num dos programas da tarde do Canal 1, tende, de há tempos a esta parte, a colmatar tal brecha: tem um consultório jurídico em cooperação com a OSAE, do tempo ainda do Bastonário, Prof. Doutor Paulo Teixeira.

Desde que se não trate de agenciamento de clientes para o estrato profissional comprometido, espaços do estilo são, com efeito, de saudar.

Ponto é que se exija rigor a quantos intervêm.

A propósito de bens recondicionados (que são para a lei diferentes dos usados), atroava os ares, em tempos, a RTP, que a respectiva garantia legal é de um ano. O facto é que, segundo a lei, a garantia é de três anos, como se fora bens novos.

Uma informação destituída de rigor afronta os mais elementares direitos dos cidadãos.

O arrendamento urbano (para habitação) veio a terreiro a semana passada.

A solicitadora “de serviço” brindou os seus auditores com um sem-número de imprecisões e erróneos informes acerca do que se exige para a celebração de tais contratos. E deu a entender que estava na livre disposição dos contraentes (locador e locatário) celebrar ou não o contrato por escrito. Para além de registos outros, entre os quais o de que estes já não são os tempos em que “os contratos se celebravam em papel azul de 25 linhas em Cartório Notarial”… ou o de que as leis dizem que as partes “devem, devem, devem”, ou seja, “impõem deveres que não são obrigações” porque os contratos estão sujeitos ao “livre arbítrio” dos contraentes.

Sem entrar em afirmações outras, que mereceriam decerto um comentário, importa dizer de modo breve:

O Código Civil de 1966 nem sequer exigia que os contratos de arrendamento para habitação obedecessem a forma legal escrita, ou seja, que o fossem de papel passado: antes impunha, isso sim, escritura pública para os arrendamentos por mais de seis anos, algo extremamente raro de se observar;

Foi em 1974 que, com início em 17 de Setembro, se passou a exigir – mediante decreto-lei – que o contrato, por razões de segurança jurídica, passasse a ser reduzido a escrito mediante documento particular.

E essa exigência, com distintas actualizações, permaneceu ao longo dos anos: com o regresso das normas do arrendamento urbano ao Código Civil em 2006 (e as modificações de 2012 e 2019), o artigo respectivo (o n.º 1069) apresenta-se agora nestes termos:

“1 – O contrato de arrendamento urbano deve ser celebrado por escrito.

2 – Na falta de redução a escrito do contrato de arrendamento que não seja imputável ao arrendatário, este pode provar a existência de título por qualquer forma admitida em direito, demonstrando a utilização do locado pelo arrendatário sem oposição do senhorio e o pagamento mensal da respetiva renda por um período de seis meses.”

Não se pode, pois, dizer com rigor que o contrato esteja dispensado de forma. Ou que o contrato é escrito ou verbal, segundo o “livre arbítrio” dos contraentes.

O contrato está sujeito a forma: exige-se para o efeito documento particular.

E se de todo não for reduzido a escrito (por facto do locatário), é óbvio que o contrato não é válido. E o locador poderá invocar a sua nulidade.

Só se a não redução a escrito se ficar a dever ao locador é que o locatário, para se prevalecer do contrato, poderá prová-lo por qualquer meio, mostrando que, sem oposição, detém o gozo da coisa, cumprindo-lhe, ademais, exibir os comprovativos do pagamento mensal da renda ao longo de seis meses.

É preciso não confundir as pessoas que, mediante informação falha e sem rigor, ficam convencidas que têm direitos quando, afinal, os não têm.

Na televisão, se possível, ainda maior o rigor: simplicidade, compreensibilidade, seriedade, autenticidade, eis o que se exige a quem nela intervém!

Fique o registo!

Presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO, Portugal