A vitória da esquerda em Coimbra pode ter sido uma surpresa para alguns, mas não é uma desilusão, pelo contrário. Não é uma novidade, mas é um avanço no Desenvolvimento. Será Coimbra progressista, com um recuo do conservadorismo, da demagogia, da falácia e da manipulação. É uma Vitória de Samotrácia, deusa grega da vitória, não é uma vitória de Pirro, uma vitória obtida a alto preço, potencialmente acarretadora de prejuízos irreparáveis.
Quando, há cerca de 2 anos, em reunião distrital de militantes do Partido Socialista, sugerimos Ana Abrunhosa como candidata a Presidente da Câmara de Coimbra, e em Janeiro deste ano, o clube de política “Coimbra Progressista” organizou um debate da esquerda sobre Coimbra (excepto o BE e a CDU, que recusaram o convite), em óbvia tentativa de unidade e princípios comuns, sabíamos que Ana Abrunhosa representava competência e proximidade.
As causas para a vitória da esquerda, e em particular da coligação liderada pelo Partido Socialista, são múltiplas e, ainda assim, devem originar uma reflexão profunda, sem pedantismo dos agentes políticos nem autoestima exacerbada de lideranças centralistas que não fazem da fraqueza força das ideias pelo Progresso e pelo Desenvolvimento Sustentável:
1 – O ciclo político em Coimbra era favorável à direita e extrema-direita, usando a juventude para a expansão, a linguagem fácil e primária para controlo e dominação e o vazio de ideias de futuro como ideia-força, após 4 anos de Coimbra populista e hipócrita sem conteúdo visceral, e um ciclo de governação nacional de esquerda que não se modernizou, que perdeu a influência “jota” nas escolas, mas manteve-a nos órgãos de poder, pelo que não percebeu que precisava de reinventar Abril.
2 – O poder em exercício, corporizado (tipo corporação) em “Juntos Somos Coimbra”, entronizado como confrade da sabedoria platónica, endeusado como Deus maior, denominado como José Manuel Silva, além da vantagem do uso do poder (autocrático bem dissimulado), utilizou a demagogia que iludiu os incautos, permitiu a democracia quando lhe convinha uma imagem bonacheirona, tomou medidas eleitoralistas como Metrobus gratuito, inaugurações usando a efígie partidária mesclada de postura institucional e proliferação de cartazes mentirosos, com comunicação social generalizadamente sem isenção, a favor do seu fácies, da sua palavra enganadora e da turba seguidora acrítica.
3 – Ana Abrunhosa foi a melhor candidata que Coimbra poderia ter, pela sua preparação, grau de conhecimento e influência na política regional, nacional e internacional de acesso necessário, pela sua simpatia e popularidade (não confundir com populismo) que gerou afetos em todas e todos com que contactou durante o périplo por freguesias, associações e colectividades, eventos e festas populares, e pela capacidade de absorção dos problemas que lhe foram chegando e vias para soluções estratégicas (erradamente chamadas de generalistas).
Nem sempre compreendida, mas capacidade de agregar
Nem sempre foi compreendida pela liderança dominadora no PS, escudada em grupo de amigos qualificados, sem experiência política nem reconhecimento público, que não tiveram apoio de uma faixa do PS, sentindo-se secundarizado, o que não foi obstáculo para a sua implantação popular e confinidade cidadã.
Para a sua vitória, contribuiu a capacidade ímpar de Ana Abrunhosa de agregar pessoas, mas também os vereadores do Partido Socialista que, durante 4 anos, fizeram oposição à gestão errática de José Manuel Silva e apresentaram mais de 200 propostas (sistematicamente ignoradas, tendo feito ainda pela minha parte 633 intervenções em sessões de vereação, e denunciado múltiplos anacronismos concretos da gestão autárquica de José Manuel Silva na comunicação social.
Ana Abrunhosa está legitimada pelo povo para construir uma Coimbra nova em nova Coimbra, para que Coimbra tenha três coisas para contar: progresso, Desenvolvimento Sustentável, solidariedade e direitos humanos.
4 – A coligação “Avançar Coimbra” (mais apropriado seria Coimbra Progressista ou Coimbra Sustentável) foi uma lança em África, inovadora pela união da esquerda que assumiu os desígnios do Desenvolvimento Sustentável, prometedora pelas ideias do progresso, da qual se autoexcluiu a esquerda ortodoxa que vive do passado, dos estereótipos e do estilo panfletário que a população já não reconhece como válidos. Teve a frescura possível, baseada no debate de ideias, abertura à confabulação e estima, com empatia pelo povo que vota, que decide, que é quem mais ordena (não só no cancioneiro), com figuras prestimosas, embora de reduzido impacto público.
5 – Ainda assim, a nível nacional, o PS precisa de uma reflexão profunda (Partido Socialista ou partido do centro confundindo-se com o PSD e a IL), demarcando os seus contornos ideológicos de esquerda, a inserção e implantação popular (nomeadamente em relação aos mais fragilizados), os novos desafios climáticos, a demografia e natalidade, o combate à desigualdade, o empreendedorismo e o serviço público. O eleitor deve ser esclarecido sobre o caminho que o PS quer seguir, após sucessivos anos de governação com políticas oscilantes em direitos humanos, casos e casões.
6 – Há uma reflexão interna no PS que é imperiosa, sem purgas, mas com queda de lideranças baseadas nos sindicatos de voto, na oportunidade (ou oportunismo) do carreirismo político, na “jota” sem enraizamento na juventude, nas “vacas sagradas” que querem manter a aura perdida perante desconhecidos, nos direitos adquiridos em política que se querem perenes, na ordem filosófica de carácter iniciático, ritualista e universal, mesmo visando o aperfeiçoamento através dos princípios de liberdade, igualdade e fraternidade, acima da democracia de base.
7 – A nova esquerda precisa de construção pelos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável, pelo reconhecimento dos direitos humanos, pela liberdade e democracia, pela revolução de mentalidades pacóvias, tacanhas e bisonhas, feito por novos protagonistas (jovens e velhos) credenciados ou em formação solidária. Assim, o Partido Socialista terá futuro, para melhorar a qualidade de vida das populações, servindo-as e não servindo arrivistas.
(*) Médico, ex-vereador do PS na Câmara de Coimbra