Em Portugal, há crianças e jovens com doenças incuráveis que continuam sem acesso a cuidados paliativos especializados. É essa a dura realidade traçada pelo Manifesto pelos Cuidados Paliativos Pediátricos divulgado hoje (10), data em que se assinala o Dia Mundial dos Cuidados Paliativos Pediátricos, pela Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos (APCP), em conjunto com a Sociedade Portuguesa de Neonatologia, a Sociedade Portuguesa de Neuropediatria, a Sociedade Portuguesa de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal, a Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, a Sociedade Portuguesa de Cardiologia Pediátrica e a Sociedade Portuguesa de Pneumologia Pediátrica e do Sono.
O documento é um apelo directo ao Governo e às instituições de saúde para que enfrentem uma situação que os profissionais classificam como “de vulnerabilidade, fragilidade e sofrimento intensos”. Um inquérito realizado a nível nacional, que serviu de base ao manifesto, revela que nenhuma das equipas de Cuidados Paliativos Pediátricos (CPP) em funcionamento dispõe dos recursos humanos mínimos exigidos. As regiões do Alentejo e do Algarve continuam praticamente desprovidas de resposta organizada e, em todo o país, persistem falhas profundas na formação dos profissionais, sobretudo entre psicólogos e assistentes sociais.
Para Cândida Cancelinha, vice-presidente da APCP e médica pediatra, “os doentes não podem continuar à espera que os cuidados paliativos, e em particular os pediátricos, sejam encarados pelos decisores políticos como uma prioridade”. A especialista sublinha que “o que está em causa são crianças e jovens com doenças que ameaçam a vida, e que precisam de ser acompanhados com dignidade, conforto e humanidade”.
O manifesto reclama uma resposta efectiva do Estado e uma estratégia que garanta a existência de equipas de cuidados paliativos pediátricos em todos os serviços de pediatria e maternidades, com formação, tempo de dedicação e recursos adequados. Defende ainda uma maior equidade territorial, o reforço do apoio domiciliário e o reconhecimento da importância destas equipas como critério de qualidade assistencial.
No documento, as entidades signatárias pedem também que se olhe com urgência para os cuidados peri e neonatais, uma área onde o apoio continua a ser “incipiente” e onde a ausência de equipas especializadas se traduz em sofrimento acrescido para as famílias.
A mensagem é clara: sem investimento humano e organizacional, as intenções legais e políticas continuarão a não chegar às crianças que mais precisam. “Um país com uma oferta de cuidados paliativos pediátricos especializada e acessível será um país onde se vive melhor”, lê-se no manifesto.
Amanhã, 11 de Outubro, assinala-se o Dia Mundial dos Cuidados Paliativos, data em que a APCP inicia também a celebração dos seus 30 anos de existência com o lançamento da campanha “Cuidados Paliativos: um direito para todos!”. A iniciativa quer recordar à sociedade e aos decisores que, apesar de Portugal ter uma lei desde 2012 que consagra os cuidados paliativos como um direito universal e exigível, esse direito está longe de ser garantido.
Como refere Catarina Pazes, presidente da APCP, “os cuidados paliativos aliviam o sofrimento global em qualquer momento da doença. Desde o diagnóstico, acompanham o doente e a família em todas as fases, garantindo um apoio contínuo e adaptado. Não podemos ficar indiferentes ao sofrimento e urgência dos pedidos de ajuda”.
A nova campanha da APCP, alinhada com a campanha internacional da Worldwide Hospice Palliative Care Alliance, recorda que é tempo de “cumprir a promessa”: transformar o direito em realidade, e a compaixão em política pública.