Cresci ao longo de quase cinquenta anos, a ver o país ser afetado pelo flagelo dos incêndios florestais, a cada verão que se cumpre. Apesar dos inúmeros estudos técnicos e científicos que apontam para a necessidade de prevenir e mudar o paradigma da floresta, continuamos a apostar sobretudo no combate direto, que custa milhões de euros ao erário público, sem resultados satisfatórios, centrado que está apenas na salvaguarda de vidas humanas e bens materiais essenciais.
Independentemente da força política que está no poder a floresta continua a arder, havendo áreas que foram consumidas várias vezes nas últimas décadas. Tardam as medidas concretas no terreno, a montante da indústria do fogo, contrabalançando um drama que se tem acentuado devido ao abandono sobretudo das zonas do interior do país, transformadas em autênticos palheiros, à espera que um incendiário lhe deite fogo ou que algum indivíduo mais distraído opere maquinaria proibida, ou até que churrascos mal calculados desencadeiem catástrofes.
Custa ver ecossistemas antigos serem consumidos em minutos, contribuindo assim para uma anunciada desertificação, cada vez mais evidente nas serranias onde pontificam monoculturas, em especial o eucalipto e o pinheiro. É o nosso património natural que está em causa, gerador de mais valias ao nível da exploração direta das referidas culturas, mas também com reflexos no turismo e na sustentabilidade das populações.
Apesar dos organismos estruturados de comando se terem aperfeiçoado desde o drama de 2017, também a este nível continuamos a falhar, bastando recordar os desabafos do presidente da Câmara Municipal de Oliveira do Hospital, Francisco Rolo, que ficam para a história e fazem lembrar as declarações também vernáculas do então presidente da Câmara Municipal da Pampilhosa da Serra, Hermano Almeida em meados da década anterior.
Em face de tudo quanto tem acontecido com a nossa floresta, creio bem que só um pacto de regime pode melhorar ou amenizar a situação. Todos os partidos devem ser chamados para uma plataforma de entendimento sobre a matéria (e semelhante medida devia ser tomada ao nível do SNS), contribuindo para a salvaguarda do nosso património. Não se deve politizar a questão, mesmo que o primeiro ministro esteja de férias ou que determinado partido faça a sua habitual festa de reentré política.
Duma forma geral todos sabem o que tem de ser feito: reordenamento florestal, criação de áreas de defesa com espécies autóctones (carvalhos, sobreiros, azinheiras, entre outras), limpeza e manutenção das zonas verdes e aceiros, abertura e conservação de estradões, reforço da vigilância, cumprimento das medidas legais em vigor.
Creio que tem faltado vontade política para mudar o status quo, provavelmente, pela dimensão dos interesses económicos envolvidos, que beneficiam ao jeito de cartel empresas privadas em detrimento das forças públicas. Basta recordar a ausência da nossa força aérea no combate aos incêndios, apesar dos pilotos terem formação específica para atuarem com os famosos C-130.
Dá a ideia que como afirmou Ramalho Eanes, em 1980, aquando de um incêndio na Serra da Lousã o que é preciso é acalmar as pessoas, perante a ineficácia dos meios existentes. Apesar da realidade atual ser outra, mais exigente e perigosa, os nossos governantes preferem apresentar e apostar no dispositivo de combate (para acalmar as pessoas) em vez de nos mostrarem o que foi feito ao nível da prevenção (para solucionar o problema).
Sem mudança de paradigma, com pacto de regime ou plano nacional, não há floresta que aguente, nem sossego para as populações.