Coimbra  13 de Maio de 2025 | Director: Lino Vinhal

Semanário no Papel - Diário Online

 

Joana Gil

Valha-nos Deus!

9 de Maio 2025

O Papa Francisco visitou a Bélgica de 26 a 29 de Setembro do ano passado, por ocasião do 600.º aniversário da Universidade Católica de Lovaina. O protocolo não impediu a Bélgica de receber o Papa com forte espírito crítico, suscitado pelos abusos sexuais cometidos no seio da Igreja Católica que foram sendo destapados na Bélgica ao longo dos últimos anos. O Papa Francisco foi, nesse contexto, de uma humildade histórica: reuniu pessoalmente com as vítimas dos abusos, ouviu-as, pediu perdão em nome da Igreja, e não se escudou a dar o rosto pelos gravíssimos actos praticados por alguns dos seus membros. A Universidade não foi meiga na recepção: os estudantes prepararam uma carta aberta ao Papa onde o questionavam acerca de assuntos como a urgência climática, o papel das mulheres na hierarquia da Igreja ou a abertura ao acolhimento de homossexuais e transsexuais. Foi já no avião de saída da Bélgica que o Papa Francisco, confrontado com questões sobre o aborto voluntário, fez os comentários que suscitaram a forte polémica: numa conversa informal com jovens, o Papa expressou a sua viva censura ao aborto e de caminho criticou os profissionais de saúde que o praticam, chamando-os “tueurs à gage”, qualquer coisa como mercenários ou assassinos contratados. A reacção da Bélgica foi virulenta. Houve mesmo um número não despiciendo de baptizados que pediram, no seguimento da visita, a anulação do seu baptismo. A visita papal é desde então referida na imprensa belga como tendo deixado um amargo de boca.

Deu-se entretanto o falecimento de Sua Santidade, que na Bélgica, e mau grado o país ser uma monarquia católica, não foi assinalado com sequer um dia de luto. O Parlamento belga teve, porém, a cortesia de observar um minuto de silêncio pelo falecimento do Papa. Desengane-se quem pensa que esta singela homenagem a um chefe de Estado que falece mereceu unanimidade. A deputada Irina De Knop, do partido Open Vld, fez a sua intervenção após o minuto de silêncio para manifestar a sua estupefacção, perguntando se era a única a não achar normal que se fizesse um minuto de silêncio por um Papa, alguém que não promoveu os direitos da mulheres, contra o aborto e que não era a favor dos direitos LGBT. Os quatro companheiros de bancada aplaudiram estrepitosamente. Para garantir bons decibéis, a deputada aplaudiu também a sua própria intervenção. Já em Portugal houve, em todos os quadrantes políticos, a inteligência de saber identificar aquilo que é para cada um o melhor da mensagem de Francisco. Talvez os liberais portugueses devam dar uma palavrinha aos liberais da Bélgica para lhes explicar que um chefe de Estado e líder religioso não é um presidente de uma organização não governamental ou um porta-voz de uma associação caritativa.

No entretanto, o conclave aproxima-se. Um conclave não é uma eleição com candidatos, campanhas e comícios, antes sendo um processo de escolha, que os católicos acreditam ser feita por inspiração do Espírito Santo, daquele que deve ser o próximo Sumo Pontífice, líder espiritual de uma Igreja com mais de mil milhões de fiéis por todo o mundo. Infelizmente, muitos jornalistas e comentadores não conseguem sair do quadro mental a que estão habituados e falam numa oposição entre liberais e conservadores dentro da Igreja. As eleições legislativas que estão aí não lhes bastam para falar de política?