A Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC) é muito mais do que uma instituição de ensino: é uma referência nacional e internacional na formação em saúde, distinguida pela excelência pedagógica, científica e humana. Com um percurso sólido e reconhecido, atrai, todos os anos, centenas de estudantes oriundos de diferentes pontos do país e do mundo, determinados a seguir uma formação que alia rigor, inovação e compromisso com o bem-estar das populações.
Desde 31 de Março, a ESEnfC passou a integrar oficialmente a Universidade de Coimbra (UC) como unidade orgânica de ensino e investigação. Trata-se de um marco histórico para a instituição, que passa a fazer parte de uma das universidades mais antigas e prestigiadas da Europa.
O Campeão das Províncias esteve à conversa com António Fernando Salgueiro Amaral, Presidente da Escola, para conhecer de perto o impacto desta integração e o que ela representa para o futuro da ESEnfC, dos seus estudantes, docentes e para o próprio ecossistema académico da cidade de Coimbra.
Apesar de ser amplamente conhecida como uma das mais antigas e prestigiadas instituições de formação em enfermagem do país — com 144 anos de história —, a Escola Superior de Enfermagem de Coimbra continua, segundo o seu Presidente, a ser pouco compreendida na sua verdadeira dimensão. “Há muita gente que sabe que existe a Escola de Enfermagem de Coimbra, mas pouca gente conhece verdadeiramente o que aqui se faz”, afirma António Fernando Salgueiro Amaral.
Enfermeiros de excelência para um Serviço Nacional de Saúde sustentável
A ESEnfC mantém um intenso trabalho de produção científica e cooperação internacional, desenvolvendo programas com instituições da Finlândia, Espanha e muitos outros países. No entanto, como sublinha o Presidente, “as pessoas continuam a achar que o que nós fazemos é formar enfermeiros que dão injecções — e isso está longe de ser a verdade”.
O que a escola forma, insiste, são profissionais altamente qualificados, “capazes de prestar cuidados complexos, tanto na doença como na saúde, para prevenir, tratar, vigiar e acompanhar”. Lembra ainda que “90% do que se faz num hospital é realizado por enfermeiros” e que, na maioria dos casos, “os doentes só ficam internados porque precisam de cuidados de enfermagem”.
A preocupação com o futuro dos seus estudantes é um tema recorrente no discurso do Presidente da ESEnfC. Com emoção contida, António Fernando Salgueiro Amaral partilha um desejo simples, mas profundamente significativo: “Eu não quero que os meus enfermeiros sejam obrigados a emigrar.” Recorda, a propósito, ter respondido a um conhecido comentador que, em tempos, defendia que médicos e enfermeiros podiam “ir todos embora”. “Emigrar não faz mal nenhum, desde que seja por vontade própria. Outra coisa é serem forçados a sair porque o seu país não lhes dá condições para viver com dignidade. Isso, sim, é que é preocupante”.
Reconhecendo o prestígio e a elevada empregabilidade dos diplomados da Escola, que se encontram espalhados pelo mundo — dos Estados Unidos à Arábia Saudita, passando por Macau —, o Presidente lamenta, no entanto, que tantos acabem por aplicar lá fora o investimento que foi feito cá dentro. “Nós, contribuintes, investimos na sua formação para que possam cumprir uma missão social no nosso país. As propinas pagas pelos estudantes não cobrem, nem de longe, o esforço do Estado. Por isso, era desejável que conseguíssemos retê-los, valorizando-os e criando condições para que permaneçam entre nós, contribuindo para o bem comum”.
A integração da ESEnfC na Universidade de Coimbra
Sobre a integração da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra na Universidade de Coimbra, o presidente é claro quanto às suas expectativas: “Espero mesmo que, após esta integração, tudo mude na formação dos profissionais de saúde em Coimbra.” Para António Fernando Salgueiro Amaral, não se trata apenas de uma mudança administrativa, mas de uma verdadeira oportunidade pedagógica e científica. “A saúde é, por excelência, um campo onde o trabalho em equipa é essencial. Médicos, enfermeiros e outros profissionais não trabalham isoladamente — há uma interdependência profunda e essa lógica de colaboração deve começar a ser cultivada desde a formação”.
Estar inserida numa instituição maior, com múltiplas unidades orgânicas dedicadas às ciências da saúde, permitirá à ESEnfC fomentar novas dinâmicas de ensino conjunto, com ganhos claros na preparação dos estudantes. “Faz sentido estudar em conjunto para depois trabalhar em conjunto. E isso agora é possível — através, por exemplo, da criação de centros de simulação clínica, onde os estudantes podem treinar, em segurança e com rigor, práticas colaborativas em ambientes altamente realistas.” Esta integração, acredita, trará benefícios não só para os estudantes — que passam a ter acesso a um leque mais vasto de serviços e oportunidades —, mas também para a Universidade, que acolhe um novo saber: a ciência da enfermagem. “O futuro será interdisciplinar. Vão emergir abordagens que não são apenas a soma das partes, mas verdadeiras progressões — e quem vai ganhar com isso, no fim de contas, são os doentes”.
Inovação na pedagogia e tecnologia
Na Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, inovação e compromisso social caminham lado a lado, sustentados por valores de humanismo, responsabilidade e excelência. “Não inovamos só na tecnologia, mas também na pedagogia e na acção social”, sublinha o presidente. A escola tem desenvolvido projectos pioneiros, como palmilhas inteligentes para prevenção de úlceras no pé diabético, tecidos sensorizados para doentes acamados e sistemas automatizados de higienização de espaços públicos — com patentes já registadas. A investigação estende-se ainda à inteligência artificial, aplicada ao ensino crítico e analítico dos estudantes, e à criação de salas híbridas que potenciam a internacionalização. “Estamos focados na transferência de conhecimento e na criação de soluções que façam a diferença na vida das pessoas”.
Os futuros alunos que escolham a Escola Superior de Enfermagem de Coimbra podem esperar encontrar muito mais do que um espaço de ensino — encontram uma escola aberta, inclusiva e profundamente humana. Um lugar onde se promove a liberdade, a proximidade e o respeito, com condições de estudo continuamente melhoradas, apoio para quem mais precisa, e uma relação próxima com toda a comunidade académica. “Aqui, os estudantes têm acesso às pessoas e sabem que são o centro de tudo o que fazemos”.
O Presidente da instituição é claro: defende um Serviço Nacional de Saúde geral, universal e gratuito, tal como está consagrado na Constituição, e sublinha que a sua preservação passa por uma aposta firme no investimento humano. “Sem profissionais motivados, bem remunerados e com condições de trabalho dignas, não há SNS que resista”, afirma, alertando para o erro de se desvalorizar o sistema com discursos sistematicamente negativos. Lembra que o SNS continua a garantir a resposta às situações mais complexas e urgentes — como dizia Jorge Sampaio, “para as coisas grandes, tem que ser um hospital público” — e que comparar o público com o privado, sem considerar as suas diferentes missões e realidades, é não só desonesto, como perigoso.
O papel global da ESEnfC na educação em saúde
Para o futuro da profissão, o cenário exige coragem política e visão estratégica. “Temos profissionais altamente qualificados que estão a ser subaproveitados, urgências encerradas por falta de regulação inteligente, carreiras estagnadas e equipas exaustas”, denuncia. O SNS vive sob forte pressão demográfica, financeira e de recursos humanos, e a resposta não pode continuar a ser o adiamento de soluções estruturais. “Investir em capital humano é o melhor investimento em saúde — é mais fácil comprar um medicamento do que contratar um enfermeiro, mas os resultados não são os mesmos”, conclui, certo de que só com essa mudança de paradigma será possível garantir um sistema público de saúde sustentável, justo e de qualidade.
Com esta integração na Universidade de Coimbra, o futuro da Escola antecipa-se ambicioso e promissor. A internacionalização continuará a ser uma marca distintiva — com cerca de 35% dos estudantes a realizar mobilidade —, mas será agora acompanhada por uma aposta decidida na formação interdisciplinar e multiprofissional, com foco no trabalho em equipa treinado, vivido e simulado. O Presidente sonha alto: uma grande unidade de simulação interprofissional, que una várias áreas da saúde num mesmo espaço de aprendizagem avançada. O seu desejo é claro — continuar a formar enfermeiros de excelência, com competência técnica, consciência política e capacidade de intervenção. “O que eu mais gostava era de ver os nossos enfermeiros com voz, com influência, com presença activa na construção das políticas públicas de saúde. Porque eles têm muito a dizer. E o país só tem a ganhar com isso”.
Joana Alvim