No passado dia 30 de Março chegou ao fim o Ramadão. A data, uma das duas grandes festas da religião muçulmana, passa relativamente despercebida em Portugal, mas é incontornável na Bélgica, e sobretudo em Bruxelas.
Na verdade, mesmo o próprio Ramadão marca forte presença na vida da cidade. No passado dia 23 de Março, foi organizado um ‘iftar’ (o quebrar do jejum após o pôr-do-Sol) na Igreja de São João em Moleenbeek. Molenbeek é uma das communes (ou “juntas de freguesia”) mais pobres de Bruxelas e viu a sua reputação indelevelmente marcada pelos terríveis atentados terroristas de Paris de 13 de Novembro de 2015: o massacre do Bataclan e os tiroteios nas esplanadas. A razão é que os perpetradores eram oriundos de Molenbeek, um bairro que, embora surja bem enquadrado com o centro do mapa da cidade, é sem dúvida periférico em termos sociais e culturais, tendo sido apodado na imprensa belga e internacional de ninho de terroristas. Hoje, volvidos quase 10 anos, Molenbeek tenta reabilitar a sua imagem, associando-a a uma ideia de diversidade positiva e de multiculturalidade inclusiva, nomeadamente através de diversas iniciativas culturais, e o bairro apresentou a sua candidatura a capital europeia da cultura 2030, sob o mote “Molenbeek for Brussels 2030”. É nestas iniciativas promotoras da candidatura que se inscreve o referido ‘iftar’. A Igreja Católica cede o espaço, que é então arranjado em função do evento: mesas compridas e bancos corridos enchem a nave central, repletas do melhor que a gastronomia magrebina tem para oferecer. O convite à participação é extensível a todos, como uma “refeição solidária”, que reúna todos ao redor de uma mesa ao cair da noite. Partilha-se o ‘iftar’ ao mesmo tempo que se celebra a Quaresma, o início da Primavera e a diversidade de Molenbeek. O encontro assinala também o aniversário dos dramáticos atentados terroristas de Bruxelas de 22 de Março, que roubaram a vida a 32 vítimas e feriram outras 300. Na Igreja de São João de Molenbeek, entoam-se cânticos islâmicos e reza-se a Alá. Para uns, o evento celebra a diversidade. Outros, críticos, vêem nisto uma metáfora para desafios mais alargados suscitados pelas diferenças culturais: os europeus dão o espaço, mas o conteúdo é dominado por uma matriz de valores bem distinta da europeia.
Entretanto o fim do Ramadão aproxima-se. O comércio bruxelense conhece um aumento da procura, dada a tradição de oferta de prendas no final do Ramadão. Por fim, acabam os 30 dias de jejum. O impacto é particularmente visível nalgumas zonas da cidade: afinal, só em caso de absoluta impossibilidade de passar o dia em família é que os pais muçulmanos enviam as crianças à escola nesse dia. Uma criança não muçulmana encontra assim salas de aulas, corredores e pátios desertos, podendo mesmo ser a única criança presente numa turma inteira. O conceito de minoria interpela-nos. Com o avançar do dia, as ruas enchem-se de mulheres com belas túnicas esvoaçantes, lenços particularmente ornamentados, mãos cobertas de ‘henna’ (uma tinta utilizada para desenhar belíssimos arabescos na pele, sobretudo nas costas das mãos). As crianças vestem-se a rigor, num verdadeiro dia de festa. Os homens estão mais aprumados que nos outros dias. Chegou o Eid-al-Fitr. E em Bruxelas não há como não reparar.