Coimbra  17 de Abril de 2025 | Director: Lino Vinhal

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Margarida Mendes Silva e a revolução cultural de Abril no Feminino

6 de Abril 2025 Jornal Campeão: Margarida Mendes Silva e a revolução cultural de Abril no Feminino

Margarida Mendes Silva construiu um percurso singular no teatro e na programação cultural, sempre guiada pela paixão pelas artes. Foi com esse espírito que, em 2019, lançou o “Abril no Feminino”, um ciclo que destaca o papel das mulheres na literatura, ciência, arquitectura, fotografia, música, artes plásticas, ilustração e cinema. A iniciativa, que arranca esta quinta-feira, um dia especialmente simbólico por marcar o início do mês da liberdade, propõe conversas, exposições, teatro e outras expressões artísticas, criando um espaço de reflexão e celebração. Em cada edição, Margarida reafirma a importância de dar voz e palco às mulheres, construindo um olhar plural e inspirador sobre a cultura. Autora do projecto “O Mundo do Vinho” preside igualmente à Associação Cultura e Risco.

 

Campeão das Províncias [CP]: O que é esta associação, Cultura e Risco?

Margarida Mendes Silva [MMS]: A dinamização cultural e a promoção de projectos com um propósito claro representam sempre um grande desafio. A Associação Cultura e Risco assume esse compromisso, desenvolvendo projectos temáticos, depois de uma fase inicial dedicada à produção teatral, com colaborações com o Teatro Académico de Gil Vicente, e mais tarde com o  Centro Cultural de Belém e o São Luiz Teatro Municipal.

Ao dedicar-me inteiramente à dinamização cultural, comecei a conceber projectos de programação baseados numa temática específica, convocando diversas disciplinas artísticas em torno de um fio condutor. Coimbra oferece condições privilegiadas para essa abordagem, e a cidade, com o tempo, validará essa aposta.

Privilegiamos a distribuição dos projectos pelo território, ocupando espaços culturais relevantes, de lazer e entretenimento, permitindo que os munícipes descubram – ou redescubram – o seu património. Esta estratégia inspira-se nos Encontros de Fotografia, que, nas décadas de 1980 e 1990, transformaram Coimbra num palco dinâmico, estabelecendo um diálogo vibrante entre cultura e cidade.

 

[CP]: O que é que a motivou a criar a iniciativa “Abril no Feminino”?

[MMS]: O Abril no Feminino acontece neste mês por uma razão simbólica. Para além de ser um mês de renovação e florescimento, carrega um significado profundo para todos os portugueses: é o mês da liberdade, da conquista de direitos e do fim de uma longa ditadura. Sendo um período tão marcante, pareceu-me natural que esta iniciativa tivesse lugar precisamente em Abril.

A escolha do nome reflecte uma realidade incontestável: as mulheres continuam a ter menos oportunidades para tornar visível o seu trabalho artístico, criativo e científico. Dizer que é preciso dar voz às mulheres pode parecer simples, mas, na prática, continua a ser um desafio. Há obstáculos, restrições e desigualdades que persistem, e o Abril no Feminino, à sua pequena escala, procura dar um modesto contributo para contrariar essa tendência.

A programação convoca diferentes disciplinas, reunindo artistas, escritoras, cantoras e intérpretes e muitas outras profissionais para mostrar o seu trabalho e discutir os desafios que enfrentam nas suas actividades e profissões, alimentando o debate e a reflexão.

 

[CP]: Como é que escolhe os temas de cada edição?

[MMS]: A programação reflecte escolhas subjectivas e pessoais, resultantes de um olhar atento sobre o que se passa à nossa volta. Quando descubro algo relevante, procuro integrá-lo no evento.

Foi o caso do livro As Revolucionárias – 12 Mulheres Portuguesas Desobedientes, de Maria João Lopo de Carvalho. Ao lê-lo, percebi que era essencial trazer a autora e discutir esta investigação rigorosa sobre mulheres pioneiras dos séculos XIX e XX. O mesmo acontece com o teatro: quando encontro uma peça que se destaca pela sua temática ou abordagem, procuro viabilizar a sua vinda para Coimbra. Ou com projectos como 25 Mulheres, de Raquel Costa, que utiliza um jogo de cartas, como instrumento dinâmico para interagir e sensibilizar os jovens para os direitos das mulheres e para a discriminação de que são alvo.

A programação constrói-se assim: com ideias que amadurecem ao longo do tempo. Algumas decisões são planeadas há mais de um ano; outras resultam de inspirações que, surgindo há mais tempo, encontram agora o momento certo para a sua concretização.

 

[CP]: Abril no Feminino arranca hoje com a Exposição “O Vaguear do Olhar”, no Museu Municipal de Coimbra. O que é que torna esta exposição tão especial?

[MMS]: Desafiei a Câmara Municipal de Coimbra a cruzar obras do acervo municipal com peças de uma colecção privada. A Coleção AA, de Ana Cristina Antunes e António Albertino Santos, começou a desenvolver-se nos anos 1990 e, apesar de ser um projecto privado, os seus promotores têm abertura e disponibilidade para promover a sua fruição pública.

Pela primeira vez, este cruzamento acontece no Edifício Chiado, ocupando não só o piso térreo, mas também o primeiro andar. Estarão representadas obras da Colecção Telo de Morais, da Colecção de Arte Contemporânea do Estado (em depósito no CAV) e da Colecção de Arte Contemporânea do Município de Coimbra.

O segundo desafio foi lançado aos próprios coleccionadores, que aceitaram de imediato. O resultado é uma exposição com mais de 40 obras de 35 artistas, com forte presença feminina. Durante a concepção, surgiu a questão: a arte tem género? Esse debate guiou a construção do percurso expositivo, que destaca a representatividade feminina, mas inclui alguns “intrusos” masculinos. Convidamos o público a tentar adivinhar o género dos autores das obras — um exercício que poderá surpreender. Única actividade no programa a prolongar-se para além de Abril, poderá ser visitada até 13 de Julho. Será de elementar justiça mencionar o apoio da Câmara Municipal, o qual tornou possível esta exposição, absolutamente essencial à sua concretização e produção.

 

[CP]: No dia 5 celebram os 10 anos de cante alentejano, com a exposição de Ana Baião, que irá estar em vários estabelecimentos comerciais da Baixa de Coimbra…

[MMS]: Em 2019 lancei o desafio de expor fotografias de Rita Carmo, retratando mulheres artistas, nas montras de estabelecimentos comerciais de Coimbra. As imagens eram escolhidas com base nas lojas e suas características, criando uma associação entre o espaço comercial e a composição da fotografia.

Este ano, as fotografias de Ana Baião sobre o Canto Alentejano, publicadas no livro 10 Anos de Canto (2024), poderão ser vistas em onze lojas nas Ruas Ferreira Borges e Visconde da Luz.

A proposta visa demonstrar como o comércio tradicional e a cultura podem coexistir e fortalecer-se mutuamente, especialmente num tempo que ameaça a sobrevivência deste tipo de comércio. O trabalho de Ana Baião destaca as mulheres no Canto Alentejano e, para além da exposição de fotografia, também organizamos uma conversa no Edifício Chiado, moderada por Sílvia Franklim, sobre o livro de Ana Baião e um concerto com o grupo coral feminino “As Ceifeiras de Pias”, no Arco de Almedina.

 

[CP]: Abril no Feminino tem um programa muito extenso, isso exige uma equipa vasta?

[MMS]: Vasta, talvez não, mas aplica-se bem a máxima: poucos, mas bons. Abril no Feminino faz-se com todos. Esta luta pela visibilidade das mulheres não pode ser exclusiva delas. Pelo contrário, deve ser um compromisso colectivo. A igualdade e a valorização do trabalho artístico feminino devem ser uma causa comum. O que nos move é um ideal partilhado: dar espaço e voz às mulheres na cultura, garantindo que a sua produção artística seja vista, partilhada, reconhecida e discutida.

 

[CP]: A Margarida fundou também o projecto “O Mundo do Vinho”…

[MMS]: Começou em 2018, é anual – ao contrário de Abril no Feminino, que é bienal – e acontece sempre em Outubro. Era o mês das vindimas, embora, com as alterações climáticas, as colheitas comecem cada vez mais cedo. Mas mantém-se a tradição: no início de Outubro, a pretexto do vinho, convocamos outras disciplinas artísticas. A pintura, o desenho, a literatura e a poesia encontram aqui um lugar. Naturalmente, o “divino néctar” também tem o seu protagonismo. Há provas de vinho, jantar vínico e momentos de celebração. Mas a motivação maior é sempre a artística.

 

[CP]: O projecto Summertime vai regressar?

[MMS]: Espero que sim! O Summertime começou em 2017 no Mosteiro de Santa Clara-a-Velha, naquele espaço ao ar livre magnífico que fica entre o edifício do Centro Interpretativo e o Mosteiro. Os dois primeiros anos contaram com a chancela da Direcção Regional de Cultura do Centro, mas depois o Mosteiro entrou em obras, veio a pandemia, as obras prolongaram-se… Fizemos uma edição no Jardim Botânico, que correu muito bem, mas entretanto surgiram alguns obstáculos pelo caminho.

A ideia agora é retomar o evento nos dias 5, 6 e 7 de Setembro, no coreto do Parque Manuel Braga. Tenho muita vontade de concretizar esta quarta edição do Summertime. A ver vamos se o vou conseguir!

Luís Santos/Joana Alvim