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Museu da Música de Coimbra ressuscitou o guitarrinho

5 de Abril 2025 Jornal Campeão: Museu da Música de Coimbra ressuscitou o guitarrinho

José Rebola demonstra como se toca o guitarrinho, na presença de Eduardo Loio, presidente da associação cultural Museu da Música de Coimbra

 

 

Guitarrinho de Coimbra e uma viola toeira

Não é um bandolim nem um cavaquinho, nem um `ukelele`, é o guitarrinho de Coimbra, também chamado de bandolinho, um instrumento bastante utilizado em grupos musicais entre o século XIX e até meados do século XX, mas que foi desaparecendo com o tempo.

O guitarrinho ressuscitou pela mão do Museu da Música de Coimbra (Mus.Mus.Cbr), já foram construídos vários exemplares e é protagonista nas actuações de vários grupos, tendo o músico José Rebola como um dos maiores fãs.

O “milagre” aconteceu através da Associação Cultural Museu da Música de Coimbra, como conta ao “Campeão” o seu presidente, Eduardo Loio: “Sabíamos que tinha existido o guitarrinho e a primeira pessoa que começa a publicar sobre o assunto foi o professor António Munoz e que nos serviu como base de trabalho. Foi então que fizemos uma réplica desse instrumento a partir da colecção Jacometti, que está no Museu da Música Portuguesa”.

O Mus.Mus.Cbr, formalizado em 2019 como associação cultural, desdobra-se entre escola de construção de instrumentos, um núcleo de estudos dedicado ao guitarrinho e outro à viola toeira (instrumento da região também em desuso), uma oficina de restauro e ainda uma escola de música, para além da área de exposição.

O Museu da Música de Coimbra está no Colégio da Graça, na Rua da Sofia, em instalações cedidas pela Liga dos Combatentes, por gentiliza desta entidade e do seu presidente, o tenente-coronel João Paulo Paulino. Questionado sobre se não necessitariam de outras instalações, mais adequadas a preciosos instrumentos e a aulas, o presidente do Mus.Mus.Cbr, Eduardo Loio, diz esperar a simpatia da Câmara Municipal, dado o currículo que esta associação cultural já tem e as actividades que desenvolve.

Oficina de instrumentos e escola de música

Para além da escola de construção de instrumentos musicais e do próprio Museu (que está instalado num claustro e exige condições como uma atmosfera controlada, que não tem) existem mais valências, como a escola de música. “Temos três professores a dar aulas e um serviço educativo em que recebemos as crianças para virem visitar o Museu e ver os nossos instrumentos, num serviço que se chama ‘Da oficina ao palco, histórias e tradições de Coimbra’”, explica Eduardo Loio.

“Também fazemos aqui os ensaios dos grupos e todas estas actividades entram em conflito sonoro umas com as outras. Portanto, nós temos que dosear durante a semana as actividades para que o professor e os alunos de música não estejam a ouvir um serrote ou um martelo na construção e recuperação de instrumentos”, refere.

O Mus.Mus.Cbs tem exposições temporárias e recebe, de bom grado, as pessoas que o visitem. “Por norma, temos uma pessoa em tempo permanente, da parte da manhã e de tarde. À quinta-feira, à tarde, e à sexta-feira, de manhã e de tarde, são as aulas de restauro e de construção de instrumentos musicais”, dá conta o presidente da associação cultural.

Eduardo Loio encara o projecto mais como um museu em construção, ou um protomuseu, com vários cordofones expostos, desde violas toeiras e guitarrinhos, mas também a guitarra de Coimbra, diferentes tipos de bandolins e banjos, a maioria restaurados ou construídos naquele espaço, para surpresa de quem visita.

“Os instrumentos fazem parte da história de Coimbra e, obviamente, que a guitarra de Coimbra está cá. Nós temos um professor a dar aulas de guitarra de Coimbra e ensinamos a construir as guitarras de Coimbra. Mas ensinamos também dois instrumentos que estavam praticamente extintos e que estamos a tirá-los da extinção, nomeadamente a viola de Coimbra, que era denominada por viola toeira, e o guitarrinho de Coimbra. Esta denominação também é um pouco polémica, mas nós estamos a publicar artigos em que descobrimos que já era utilizada em finais do século XIX”, conta-nos Eduardo Loio, acrescentando, como curiosidade, que a viola toeira mais ornamentada designava-se “banza” e a mais parca, que era a dos menos endinheirados, chamava-se “farrusca”.

Viveiro de grupos musicais

Dentro do Museu da Música de Coimbra (Mus.Mus.Cbr) surgiu uma espécie de viveiro de bandas e grupos musicais, como os Toeira Trupe, os Sol-a-Sol, em que se dá vida a um rabecão (contrabaixo) de três cordas do século XIX, os Arrancado ao Esquecimento, ou As Vozes do Xisto. Ao mesmo tempo, promovem-se eventos, como um festival dedicado ao guitarrinho, ou um ciclo de música instrumental.

No Museu, onde já havia um grupo dedicado a reavivar a viola toeira de Coimbra, o músico José Rebola (conhecido dos Anaquim) começou o grupo Guitarrinhos do Mondego, que procura mostrar a versatilidade do instrumento, o qual tanto pode acompanhar canções de Zeca Afonso e Fausto, como interpretar temas dos AC/DC ou Beatles.

Além desse grupo, José Rebola decidiu também criar repertório novo para o guitarrinho e nasceu outra banda no seio do Museu, chamada Estaca Zero. “Estava aqui a construir uma guitarra portuguesa e o Eduardo deu-me para as mãos um instrumento e disse: experimenta. Comecei a ver como é que se tocava, fui explorando e gostei logo, porque eu tenho um gosto em instrumentos musicais em geral – já se pode dizer uma colecção de instrumentos – e entre eles tenho alguns mais maneirinhos, como o ukulele, que eu já tocava há vários anos. Portanto, já estava habituado àquela dimensão miniaturizada, digamos”, conta José Rebola ao “Campeão.

“Simpatizei logo à primeira com o instrumento (guitarrinho) e pensei que ele, eventualmente, merecia um repertório virado para o presente e para o futuro, enquanto investigamos o seu passado. E, assim, permitimos que ele tenha uma linha cronológica mais completa, mais alargada”, adianta.

Segundo José Rebola, em termos musicais, “um dos primeiros desafios a que se propôs foi a tentar passar para o guitarrinho o ‘Movimento perpétuo’ de Carlos Paredes, que é uma peça de execução muito difícil e uma peça muito rápida”. “Este foi um bom meio para mostrar que o instrumento, apesar de pequeno, tem mais capacidades do que limitações. E foi um tema que acabámos por gravar no disco do Estaca Zero”, refere, grupo que começou como quinteto, depois passou a septeto e agora já vai com oito elementos.

“Acho que trazemos uma linha nova, pois o octeto permite acrescentar aos temas mais riqueza, mais possibilidades de construção, de linguagem e nós estamos só a começar”, comenta José Rebola, sublinhando que, neste disco (“As aventuras do guitarrinho no país das possibilidades”), o guitarrinho é solista, mas, também, está em segundo plano, em músicas onde outros instrumentos brilham”.

“As pessoas têm ficado surpreendidas com o guitarrinho, primeiro pelo seu tamanho, depois pela expressividade e o timbre que tem. O eco que nos chega é muito positivo, assim como a receptividade”, conclui José Rebola.

Texto: Luís Santos

Publicado na edição em papel do Campeão das Províncias de 3 de Abril de 2025