De acordo com as estimativas avançadas pela Estratégia Nacional de Longo Prazo para o Combate à Pobreza Energética 2021-2050, em Portugal vivem entre 1,1 e 2,3 milhões de pessoas em situação de pobreza energética moderada e entre 660 e 680 mil pessoas em situação de pobreza energética extrema. Com o objectivo de reduzir a pobreza energética e melhorar a eficiência, nasceu o projecto ‘Energético’ (liderado pela ENTRAJUDA), que pretende reforçar a literacia dos portugueses, dois milhões dos quais considerados ‘pobres energéticos’. Em entrevista ao “Campeão das Províncias”, Isabel Jonet, presidente da ENTRAJUDA, fala da importância desta iniciativa e de como podemos sair deste cenário que impacta, e muito, a vida de muitos cidadãos.
Campeão das Províncias [CP]: Fale-nos da importância do ‘Energético’ no contexto do combate à pobreza energética que afecta dois milhões de portugueses.
Isabel Jonet [IJ]: O ‘Energético’ foi desenvolvido por iniciativa da ENTRAJUDA, desde há muito empenhada em estabelecer pontes de energia positiva e congregar esforços em torno de causas comuns que possam combater a pobreza. A ENTRAJUDA tem vindo a propor projectos de promoção de literacia e combate à pobreza energética e pretende com este novo projecto criar uma iniciativa destinada a sensibilizar toda a sociedade para a importância da eficiência energética, congregando todos os comercializadores de energia numa causa comum: promover a eficiência energética, gerar a mudança de hábitos e de comportamentos relativamente ao uso da energia e divulgar ideias de olhar para um recurso que, embora não se veja, é fundamental na vida do dia a dia. O ‘Energético’ assenta numa plataforma – energetico-social.pt – que congrega as empresas e outras organizações que operam no sector da energia (produção, transporte, comercialização e distribuição) num pacto com muito impacto ambiental e social, unindo esforços em relação a um tema de enorme relevância e actualidade para toda a sociedade e para o planeta
[CP]: Quais são os principais objectivos e que resultados esperam a médio-longo prazo?
[IJ]: A médio e longo prazo o ‘Energético’ tem como objectivo promover o conhecimento sobre o consumo eficiente de energia e contribuir para erradicar a pobreza energética em Portugal, que afecta mais de dois milhões de pessoas em Portugal (das quais entre 660 e 680 mil em pobreza energética extrema, de acordo com as estimativas avançadas pela Estratégia Nacional de Longo Prazo para o Combate à Pobreza Energética 2021-2050), e ainda contribuir para a redução de 35% do consumo de energia primária para 2030, meta prevista no Plano Nacional Integrado de Energia e Clima, promovendo um “pacto com impacto” entre municípios, regiões, agentes, associações, produtores, distribuidores e consumidores, com o objectivo de mudar hábitos e promover consumos mais eficientes.
[CP]: Como podem as famílias serem envolvidas e quais os principais obstáculos a esta ajuda, tendo em conta a vulnerabilidade económica e iliteracia energética de muitos portugueses?
[IJ]: Em primeiro lugar, todas as famílias portuguesas podem ter atenção ao desperdício de energia com gestos muito simples. E essa foi a mensagem da primeira campanha de comunicação: a poupança em pequenos actos. Para além disso o site www.energetico-social.pt reúne informação importante atualizada, simuladores sobre consumos e custos, notícias, artigos de opinião e dicas para poupança de energia. Para as famílias mais carenciadas, a ENTRAJUDA desenvolveu uma ferramenta com o apoio da Fundação EDP para orientar os técnicos de atendimento social das instituições de solidariedade no apoio prestado a pessoas que têm níveis muito baixos de literacia energética. Essa ferramenta está neste momento a ser adaptada para permitir um acesso pelo público em geral, para todos quantos queiram ser mais eficientes do ponto de vista energético. Disseminar boas práticas e um conhecimento geral é o mote e vamos ainda fazer acções de sensibilização em escolas e universidades, para além de uma presença constante nas redes sociais.
[CP]: A iniciativa integra o lançamento de campanhas de comunicação de sensibilização, promoção de eventos e outras actividades a realizar com os vários parceiros. Pode dar alguns exemplos das acções previstas para breve?
[IJ]: A primeira iniciativa foi uma campanha de lançamento e sensibilização dos portugueses realizada, com sucesso, nos meses de Janeiro e Fevereiro. Seguir-se-á um evento cuja data será anunciada em breve. Além disso, o site www.energetico-social.pt é uma ferramenta de comunicação permanente que contem dicas, artigos e notícias actualizados.
“É imprescindível a adopção de políticas”
[CP]: Muitos portugueses não dispõem de condições de aquecimento ou refrigeração nas suas casas. E isso impacta nas facturas de energia. De que forma é possível ajudar as pessoas que estão nestas condições e que papel considera que tem tido, e deve ter, o Estado nesta matéria? A Tarifa Social é suficiente e chega a todas as pessoas que realmente precisam?
[IJ]: A primeira parte do problema do aquecimento ou refrigeração das casas em Portugal, como noutros países da Europa do Sul em particular, resulta sobretudo de mau isolamento térmico com um impacto directo nos consumos e gastos com a energia. No caso das pessoas com menores recursos económicos, esta questão é ainda mais grave, pelo que é imprescindível a adopção de políticas e de educação energética para a mitigar. A tarifa social alivia as famílias de um ponto de vista orçamental, mas não é claramente suficiente porque não resolve a questão de uma forma estrutural.
[CP]: Uma das metas, quando o ‘Energético’ foi apresentado, incidiu na missão de envolver municípios, regiões, agentes, associações, produtores, distribuidores e consumidores. A nível nacional, de que forma este intento pode ser alcançado?
[IJ]: O objectivo acima traçado é precisamente o de envolver todos os agentes num pacto com impacto, sensibilizando toda a sociedade para construir um Portugal mais eficiente do ponto de vista energético. Será o somatório dos vários esforços e compromissos dos municípios, regiões, agentes, associações, produtores, distribuidores e consumidores que permitirá mitigar este problema do desperdício da energia.
[CP]: O “Campeão das Províncias” abarca a região de Coimbra, tem dados sobre a dimensão da pobreza energética no distrito de Coimbra? Na região têm alguma acção prevista para futuro?
[IJ]: Para já, não temos nenhuma acção prevista para Coimbra, sendo que estamos a trabalhar com o nosso parceiro, a Agência para a Energia (ADENE), para começar a chegar às escolas com acções de sensibilização dos mais jovens.
[CP]: Que mensagem sobre o combate à pobreza energética em Portugal gostaria de deixar aos nossos leitores?
[IJ]: As situações de pobreza energética agravam as condições de vida das pessoas que, em situação de vulnerabilidade económica e social, ficam ainda mais fragilizadas devido ao aumento do endividamento por dificuldade de pagamento das facturas de energia. Ao mesmo tempo, o futuro do nosso planeta exige acções concretas e ousadas e depende da participação activa de todos. Por isso, convidamos todos – cidadãos, organizações e comunidades – a unirem-se ao projecto ‘Energético’, num compromisso colectivo para transformar a realidade da eficiência energética em Portugal – minorando a pobreza energética – e contribuir para um futuro mais sustentável e justo para todos.
Entrevista: Ana Clara (Jornalista do “Campeão” em Lisboa)
Publicada na edição em papel do Campeão das Províncias de 3 de Abril de 2025