O nosso sistema de governo político baseia-se nos ideais antiquíssimos da Democracia e dos produtos aprimorados pelo cada vez mais distante demo-liberalismo. Um dos perigos maiores, mas também mais desafiantes para a dinâmica parlamentar e executiva, passa pela possibilidade de cairmos na ingovernabilidade.
Olhando para as últimas legislaturas verificamos que as maiorias parlamentares foram incapazes de garantir estabilidade desestruturando-se internamente, quase sempre por motivos aproximados: os titulares de cargos políticos de topo emergindo em supostas teias e esquemas fraudulentos, com dano para o interesse público. Está, na realidade, cada vez mais enraizada a ideia de que a carreira política rima com interesses e negócios obscuros.
Neste sentido ainda hoje me interrogo como é que o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, conseguiu passar entre os pingos da chuva no tão badalado caso das gémeas, pois foi excepção política no uso do peso e medida que se aplicou aos executivos a que deu posse, não tendo o decoro necessário para se demitir.
Por enquanto parece que o país se revela incapaz de produzir parlamentos e governos estáveis, os quais tombam sempre que os seus principais rostos são escrutinados no interface vida política e profissional, pelos poderes da alçada judicial. Com a agravante dos últimos casos terem envolvido a conduta e a ética daqueles que deviam dar o maior exemplo, quer aos seus correligionários, quer à sociedade: os próprios primeiros-ministros.
Dizem alguns observadores, que estamos cada vez mais próximos da tão bem conhecida situação que da Iª República nos conduziu ao Estado Novo. Referem-se ao rotativismo, aos executivos que duravam alguns dias na jovem república portuguesa, lançando o país num caos de governação, que desbravou caminho ao golpe militar de maio 1926, franqueando as portas à noite da ditadura.
As semelhanças são evidentes, mas estamos ainda distantes de tal ponto, se bem que os partidos extremistas e xenófobos estejam ali ao virar da esquina, com o objetivo assumido de virarem isto tudo de pernas para o ar.
Definido que está o caminho, esperamos que as Autárquicas de 2025 não tragam algum amargo de boca ao sistema que se deseja estável, por força de eventual crise política que lhe suceda. É que o país apesar de sinais de riqueza exterior de alguns (por vezes sem se perceber de onde vem tal opulência), não é rico, e a maioria da população esfalfa-se todos os dias para ter pão sobre a mesa e um copito de vinho a acompanhar.
A Democracia há-de sempre agradecer que os esquemas não se imponham entre os seus principais agentes. E convém referir que se fosse outro sistema político – Oligarquia ou a Ditadura – decerto que nem possibilidade de escolha seria oferecida aos concidadãos, antes o controlo, a censura e a repressão.
Portanto, continuemos com este sistema que é sem sombra de dúvidas o pior que existe, se excluirmos todos os outros. E levemos a coisa a sorrir: “Lá vamos nós outra vez para eleições”.
(*) Historiador e investigador