“Espera-nos provavelmente o decénio mais perigoso, imprevisível e ao mesmo tempo mais importante desde o fim da Segunda Guerra Mundial” – Vladimir Putin, Outubro de 2022.
Que nuvens negras adejam por aí, toda a gente as observa, e ninguém precisa de uma lupa para as ver, mesmo em dias de calmaria. E, por mais estranho que nos pareça, é o próprio Putin que nos adverte. Ele que é uma das quatro grandes autocracias e fonte das tensões contra as democracias do Ocidente: a Rússia e seus satélites, nomeadamente a Coreia do Norte e a Bielorussia, a insidiosa China de Xi Jinping, o Irão de Khamenei e seus sequazes do médio oriente a que se juntou o que tinha sido até agora o principal aliado da Europa Democrática, a América do Tio Sam.
Todas estas autocracias desenrolam uma furibunda guerra de atrito contra a velha Europa e o que ela representa no campo da democracia liberal e da ordem mundial definida desde o fim da Segunda Grande Guerra e da Guerra Fria. Por um lado, estimulando as tensões e divisões no seu seio dos países da Europa, com a subida das forças divisionistas e antissistema da extrema-direita e da extrema-esquerda, por outro alimentando, treinando e fornecendo armas os nacionalismos, regionalismos e no Oriente Médio as fricções religiosas, mas sobretudo e de um modo muito mais insidioso e perverso, deitando mão a uma silenciosa guerra digital, que não se vê, não se apalpa e que as pessoas da normalidade não descortinam por detrás da insídia: fake news, mentiras, campanhas de desinformação, sabotagens e narrativas direccionadas à defesa dos seus interesses geopolíticos. É uma agressão feita de “infiltrações malignas”, como as define a NATO.
Assim, e atacando fisicamente em várias frentes na Ucrânia, em Israel, no estreito de Taiwan, no Mar Vermelho e no estreito de Eilat, directamente ou por interpostas organizações terroristas, a guerra física destrói milhares e milhares de vítimas humanas e muitos biliões em armas ultramodernas e as arcaicas todas. E as narrativas semeiam o joio onde as democracias ainda teimam em semear trigo. Mas estas são lentas a tomar decisões, como lhes é próprio e conveniente nas democracias porque deve passar pelo crivo expresso da vontade do povo, ao contrário do que sucede nas autocracias e ditaduras onde uma assinatura, como o Trump gosta de mostrar, tudo decide num ápice, no caso com um passaporte de senilidade, também notório em Putin e não sei se nos casos ainda de Xi Jinping, Khamenei e Kim-Jong-Un.
Secar a Europa
Para secar a Europa democrática de recursos e vitalidade, esta guerra física estende-se a outros continentes, como acontece em África. Aqui, as suas influências em todos os países à volta do Sara, com a presença de bases militares e mercenários na Líbia, Mali, Burkina Faso, Níger, República Centro Africana, Sudão e outros pretende cercar as democracias europeias e ameaçá-las com fluxos contínuos de migrantes e a criação de células jihadistas. A Coreia do Norte, além do seu próprio programa nuclear, colabora com o programa nuclear do Irão, ajuda o Hezbollah a construir formidáveis túneis lança-mísseis no coração do Líbano e agora manda milhares de soldados “carne para canhão” e armamento para a sua correligionária Rússia. Por sua vez, a China, mais insidiosa e estratégica, esforça-se por sugar as riquezas da USA e da Europa, procurando fazer renascer a antiquíssima “rota da seda”.
E como se não bastasse, não podemos deixar de referir a frente de guerra mais sofisticada e perigosa que se trava no espaço. Já referimos os esforços conjugados da Rússia, Irão, Coreia do Norte e China para fazer implodir o adversário com crescentes agressões externas, fraturas internas e conflitualidade digital. Mas mais grave ainda é a guerra que se trava no espaço, para onde são continuamente enviados foguetões e outras inconcebíveis armas de arremesso e destruição.
Sem querer meter-me nessas profecias de um fim trágico do mundo, estou, no entanto, convicto do fim do mundo tal como hoje o conhecemos. Muita coisa nova vai ocorrer nos próximos dez anos e convinha que pensássemos nisso a sério. No entanto, cá por casa, não conseguimos pensar, discutir e refilar que não seja sobre as fraldas dos montes negros, verdes, amarelos e tutti i colori. Não se passa nada!
Nota: o autor aproximou-se do recente livro publicado em Itália por Maurizio Molinari, ‘La Nuova Guerra contro le Democrazie’