Coimbra  17 de Abril de 2025 | Director: Lino Vinhal

Semanário no Papel - Diário Online

 

Hernâni Caniço

Eleições, que medo!

21 de Março 2025

Em democracia, os mandatos populares têm período de gestão da causa pública, sejam parlamentos internacionais, governos nacionais, órgãos autárquicos ou presidenciais uninominais, período que é definido a priori e cujo cumprimento permite ser responsável pelos objetivos e ser um limite às tentações de perpetuação no poder.

Infelizmente, as distorções temporais provocadas pelo comportamento humano de governantes e titulares de cargos públicos, levam a que o encurtamento do período de gestão possa ser uma conveniência ou necessidade, por razões de falta de competência, indecoro manifesto, ou gravidade de atos praticados, até com consequências jurídicas.

O cidadão eleitor, que deposita um voto de confiança numa força política ou personalidade do seu agrado, seja pela atuação prática do eleito, seja pela reanálise que o eleitor faz, a confiança possa ser quebrada, e o sentido do mapa eleitoral se altere, na relação da maioria absoluta ou vitória tangencial, na inversão esquerda-direita ou vice-versa, ou em ideias políticas em crescendo apelativo ou decrescendo desiludido.

Quando o segredo dos deuses é um mito, e determinados factos são tornados públicos, o cidadão formula o seu juízo, elogioso ou condenatório, independente (ou não) da comprovação judicial, e o seu consciente de exercício de cidadania leva-o a opinar que deve ou não haver novas eleições por antecipação.

Essas eleições são decididas pelas partes interessadas, quem tenha rabos de palha e queira associar argumentos acessórios para distração, quem se escandalize com a falta de pudor, seriedade e tenha princípios como mandamentos, e quem tenha expectativas de aproveitamento da situação política tornada insustentável para o eventual prevaricador e partido agregado.

Então, havendo eleições, os mandatos são interrompidos, alguns projectos públicos ficam em risco, os projectos pessoais desmoronam-se, as nomeações discricionárias podem cair por terra, surgem novos protagonistas e novas oportunidades, novas ideias e escopo para mobilização, cansaço dos eleitores com descrédito dos agentes políticos (“são todos iguais”…) ou crédito em políticos de proximidade, competência, capacidade, pureza, a existirem e serem visíveis.

Mas então, quem tem medo das eleições?

Com eleições (são 2 meses…), a conjuntura nacional fica esclarecida, o rumo político é actualizado pela vontade do povo, os grandes desígnios estruturantes não são interrompidos por terem garantias de responsabilidade institucional, há mais uma oportunidade de combater a abstenção eleitoral, o quadro internacional não é influenciado significativamente por um pequeno país à beira-mar plantado, as guerras continuarão (ou não) consoante a vontade dos donos disto tudo.

Sem eleições (a democracia é suspensa mais de 6 meses…), a degradação da representatividade dos decisores vai-se reduzindo, a contestação e agitação social agrava-se, o tempo da justiça dificilmente coincidirá com o tempo da política, a deterioração do sistema político é evidente.

Tem medo das eleições, quem faça de um emprego uma profissão, quem queira assegurar em tempo o seu futuro promissor, quem viva parado no tempo resistente à mudança, quem caia na modorra e nas prebendas, quem não tenha capacidade de agir com destreza, inteligência e aptidão, quem veja a política como promessas de encantar mais importantes que as acções de apreciar.

Não há que ter medo das eleições, do escrutínio democrático, da soberania do povo, de honradez e lealdade, sem vendilhões da noite do breu.

(*) Médico e vereador do PS na Câmara de Coimbra