Em democracia, os mandatos populares têm período de gestão da causa pública, sejam parlamentos internacionais, governos nacionais, órgãos autárquicos ou presidenciais uninominais, período que é definido a priori e cujo cumprimento permite ser responsável pelos objetivos e ser um limite às tentações de perpetuação no poder.
Infelizmente, as distorções temporais provocadas pelo comportamento humano de governantes e titulares de cargos públicos, levam a que o encurtamento do período de gestão possa ser uma conveniência ou necessidade, por razões de falta de competência, indecoro manifesto, ou gravidade de atos praticados, até com consequências jurídicas.
O cidadão eleitor, que deposita um voto de confiança numa força política ou personalidade do seu agrado, seja pela atuação prática do eleito, seja pela reanálise que o eleitor faz, a confiança possa ser quebrada, e o sentido do mapa eleitoral se altere, na relação da maioria absoluta ou vitória tangencial, na inversão esquerda-direita ou vice-versa, ou em ideias políticas em crescendo apelativo ou decrescendo desiludido.
Quando o segredo dos deuses é um mito, e determinados factos são tornados públicos, o cidadão formula o seu juízo, elogioso ou condenatório, independente (ou não) da comprovação judicial, e o seu consciente de exercício de cidadania leva-o a opinar que deve ou não haver novas eleições por antecipação.
Essas eleições são decididas pelas partes interessadas, quem tenha rabos de palha e queira associar argumentos acessórios para distração, quem se escandalize com a falta de pudor, seriedade e tenha princípios como mandamentos, e quem tenha expectativas de aproveitamento da situação política tornada insustentável para o eventual prevaricador e partido agregado.
Então, havendo eleições, os mandatos são interrompidos, alguns projectos públicos ficam em risco, os projectos pessoais desmoronam-se, as nomeações discricionárias podem cair por terra, surgem novos protagonistas e novas oportunidades, novas ideias e escopo para mobilização, cansaço dos eleitores com descrédito dos agentes políticos (“são todos iguais”…) ou crédito em políticos de proximidade, competência, capacidade, pureza, a existirem e serem visíveis.
Mas então, quem tem medo das eleições?
Com eleições (são 2 meses…), a conjuntura nacional fica esclarecida, o rumo político é actualizado pela vontade do povo, os grandes desígnios estruturantes não são interrompidos por terem garantias de responsabilidade institucional, há mais uma oportunidade de combater a abstenção eleitoral, o quadro internacional não é influenciado significativamente por um pequeno país à beira-mar plantado, as guerras continuarão (ou não) consoante a vontade dos donos disto tudo.
Sem eleições (a democracia é suspensa mais de 6 meses…), a degradação da representatividade dos decisores vai-se reduzindo, a contestação e agitação social agrava-se, o tempo da justiça dificilmente coincidirá com o tempo da política, a deterioração do sistema político é evidente.
Tem medo das eleições, quem faça de um emprego uma profissão, quem queira assegurar em tempo o seu futuro promissor, quem viva parado no tempo resistente à mudança, quem caia na modorra e nas prebendas, quem não tenha capacidade de agir com destreza, inteligência e aptidão, quem veja a política como promessas de encantar mais importantes que as acções de apreciar.
Não há que ter medo das eleições, do escrutínio democrático, da soberania do povo, de honradez e lealdade, sem vendilhões da noite do breu.
(*) Médico e vereador do PS na Câmara de Coimbra