No silêncio dos corredores de muitos Lares portugueses, ouvem-se passos lentos e olhares perdidos. As paredes brancas guardam histórias que se vão apagando, memórias que outrora pulsaram em vidas cheias de afetos e sonhos. A Saúde Mental dos idosos em Portugal, especialmente daqueles que vivem institucionalizados, é uma ferida invisível, que dói sem deixar marcas à vista.
Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), em 2023, mais de 22% da população portuguesa tinha 65 ou mais anos, colocando Portugal entre os países mais envelhecidos da Europa. A crescente institucionalização dos idosos é um reflexo desta realidade, mas o preço emocional pago por esta solução é muitas vezes ignorado.
A solidão é um dos maiores inimigos da mente envelhecida. A Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta que cerca de 30% dos idosos em lares sofrem de depressão, uma doença muitas vezes confundida com o próprio envelhecimento. O isolamento emocional, a perda de autonomia e a ausência de um propósito diário transformam o dia-a-dia numa espera silenciosa pelo fim.
“A minha vida acabou quando entrei aqui”, sussurra D. Maria, 82 anos, residente há cinco anos num lar na zona de Lisboa. O seu olhar embaciado percorre a janela onde o mundo continua lá fora, indiferente à sua ausência.
Mas a solidão não precisa ser o destino final. Há soluções possíveis, algumas já em prática, mas ainda escassas. O reforço de programas intergeracionais, onde crianças e jovens partilham actividades com os mais velhos, tem mostrado resultados positivos na melhoria da autoestima e na quebra do isolamento. Projectos implementados por algumas autarquias, devolvem aos idosos a sensação de utilidade e afecto, criando laços que vão além do tempo.
O apoio psicológico regular é outra ferramenta fundamental. A criação de gabinetes de saúde mental dentro dos lares, com acompanhamento psicológico por parte de Enfermeiros Especialistas em Saúde Mental e Psiquiatria, poderia prevenir muitos casos de depressão e ansiedade. Em países como a Suécia, este modelo já é aplicado com sucesso, reduzindo em 40% os sintomas depressivos entre idosos institucionalizados.
É urgente também repensar os Lares enquanto espaços de vida e não de espera. Actividades culturais e artísticas, passeios ao ar livre e estímulos cognitivos diários devem fazer parte da rotina, respeitando a individualidade e os gostos de cada residente.
Cuidar dos idosos é cuidar da nossa própria memória colectiva. O abandono emocional de quem construiu o nosso presente é uma dívida social que precisa de ser paga com afeto, dignidade e respeito. A sociedade portuguesa tem a responsabilidade de garantir que os últimos capítulos destas vidas sejam escritos com humanidade, e não com silêncio. Porque ninguém deveria terminar a sua história sem ser ouvido.
(*) Tesoureiro do Conselho Directivo da Secção Regional do Centro da Ordem dos Enfermeiros