Portugal prepara-se para voltar às urnas. O país enfrenta a terceira legislatura consecutiva que não chega ao fim, desta vez com o Primeiro-Ministro Luís Montenegro a cair antes mesmo de completar um ano no cargo. Mais uma vez, a sombra da corrupção paira sobre o destino político do país, alimentando um ciclo vicioso de desconfiança, instabilidade e radicalização.
Não é a primeira vez que a perceção de corrupção tem um impacto decisivo na queda de um governo. O problema não é apenas a realidade dos casos em si, mas o clima de suspeição permanente que se instalou em Portugal.
O ambiente radicalizado conduz-nos, demasiadas vezes, a discussões e debates sem sentido. No caso de Luís Montenegro, damos por nós a escrutinar com quem joga golfe ou onde dorme, como se isso fosse politicamente relevante. O nível a que chegámos faz com que a política caminhe para se transformar num pântano irrespirável exclusivo da mediocridade.
A verdade é que a desconfiança generalizada nos centros de decisão nacionais tem consequências profundas para o país. As pessoas acreditam cada vez menos nos seus líderes políticos, e essa erosão de credibilidade tem sido explorada com sucesso pelos partidos extremistas.
A falta de confiança nas instituições não decorre apenas dos casos que surgem, mas também da forma como são geridos. O Presidente da República podia e devia ter feito mais para evitar esta nova crise. Tal como aconteceu na demissão de António Costa, Marcelo Rebelo de Sousa optou por um papel passivo, deixando o país à mercê da instabilidade e da incerteza.
A oposição também não ajuda. Pedro Nuno Santos é um líder frágil e mais preocupado com a sua sobrevivência interna do que com a estabilidade do país. Ao mesmo tempo, André Ventura e o Chega não perdem a oportunidade para alimentar a confusão, sabendo que quanto maior o caos, maiores são as suas hipóteses de crescer.
Se nos compararmos com o que éramos há uma década, percebemos como se tem deteriorado o espaço público. A recente sequência intensa de actos eleitorais contribui, ainda mais, para o cansaço do eleitorado e faz com que o sistema tradicional corra o risco de se tornar cada vez mais desgastado e incapaz.
A exaustão dos cidadãos corrói a sua crença na política, e, se destas eleições resultar mais instabilidade, o caminho para o colapso democrático continuará a dar os seus passos.
Os partidos que acreditam no sistema democrático têm a obrigação de fazer mais e melhor. Se não conseguirem recuperar a confiança dos cidadãos, o debate será cada vez mais ocupado pelos que apenas querem destruir o sistema.
É fundamental que se repense o modelo político e que se clarifiquem as regras do jogo. O combate à corrupção tem de ser uma prioridade real, e não apenas uma bandeira dos partidos anti-sistema. Não basta usar o tema como slogan de campanha: é necessário construir uma estratégia robusta e eficaz.
Para que isso aconteça é essencial um debate alargado entre partidos políticos, sistema judicial, imprensa e sociedade civil. O PSD pode e deve liderar este processo. Luís Montenegro fez bem em forçar o seu escrutínio pela Entidade da Transparência e não deve ter receio de encabeçar esta discussão.
O combate à corrupção não deve ser visto como um problema isolado, mas como um motor de desenvolvimento nacional. Existem países que nos mostram que a transparência e a eficiência institucional são factores decisivos para o crescimento. O caso de Singapura há algumas décadas é um exemplo claro de como o fortalecimento das instituições e a intolerância à corrupção podem transformar um país.
Sugestão da Semana
Henry Kissinger – Liderança (Seis Estudos sobre Estratégia Mundial). Uma obra para quem procura entender como o combate à corrupção pode ser fundamental.
(*) Advogado e gestor