Coimbra  20 de Março de 2025 | Director: Lino Vinhal

Semanário no Papel - Diário Online

 

João Ferreira

A urgência, para ontem, de um novo contrato social

8 de Março 2025

Vivemos numa era de transformações radicais, onde a tecnologia, a automação e a digitalização estão a redefinir, não apenas a economia, mas também a estrutura social e a própria perceção de valor humano. Harari coloca uma questão desconfortável: o que faremos com os “inúteis” do futuro?

A ideia de “pessoas inúteis” é, evidentemente, perturbadora. No entanto, Harari não se refere à inutilidade intrínseca dos indivíduos, mas à forma como a sociedade os perceciona e integra. Numa realidade atual onde a inteligência artificial e os algoritmos tomam decisões mais rápidas e eficientes do que os humanos, a capacidade de contribuição laboral da maioria das pessoas pode tornar-se obsoleta. Assim, surge a questão: se o trabalho já não é o eixo central da vida humana, o que dará significado à existência?

Harari sugere que o vazio existencial será preenchido por drogas e jogos eletrónicos, uma espécie de anestesia social para manter a população ocupada e submissa. O Japão, segundo ele, está 20 anos à frente nesse fenómeno, onde as relações humanas estão a ser substituídas por interações virtuais e o isolamento social é cada vez mais comum.

No entanto, a grande questão que poucos estão a ver é que esta não é apenas uma preocupação futurista. Já estamos a viver este cenário. A geração mais jovem cresce num mundo onde os ecrãs substituem o contacto humano, os algoritmos moldam as suas preferências e a hiperconectividade digital leva à desconexão real. Cada vez mais pessoas encontram significado em realidades simuladas, em vez de construí-lo no mundo tangível.

O problema fundamental é que, ao contrário das revoluções industriais anteriores, esta mudança não vem acompanhada de uma nova promessa de empoderamento ou crescimento. No passado, quando as máquinas substituíram a força dos braços, os trabalhadores foram requalificados para novas funções. Agora, as inteligências artificiais não apenas substituem o trabalho humano, mas também a criatividade, o pensamento crítico e até mesmo o papel social das pessoas.

(…)

Se não discutirmos agora o que significa ser humano numa sociedade onde a produtividade já não é um requisito, corremos o risco de acordar num mundo onde a existência é tida como irrelevante. A solução não está em evitar a tecnologia, mas em redefinir o valor da vida para além da contribuição económica. Precisamos urgentemente de um novo contrato social que priorize a realização humana, a criatividade e o bem-estar psicológico sobre o simples consumo e entretenimento alienante.

 

Para o leitor, com estima:

A Ordem do Tempo de Carlo Rovelli

Nesta obra extremamente cativante, Carlo Rovelli desafia a nossa perceção do tempo, desmontando a ilusão de uma realidade fixa e linear. Com uma escrita poética e muito acessível, conduz-nos pelos meandros da física contemporânea, entrelaçando conceitos complexos com reflexões filosóficas densas e profundas. A clareza com que Rovelli explica a natureza elusiva do tempo é notável, tornando abstrato o que julgávamos concreto. No entanto, por vezes, a abstração pode afastar leitores menos familiarizados com os fundamentos da física teórica… Ainda assim, a obra brilha ao revelar a beleza do pensamento científico e a sua capacidade de transformar a nossa compreensão do mundo. (Desafiando crenças e expandindo horizontes, é um convite irresistível à contemplação do universo e da nossa própria existência.)

(*) Doutorando pela FMUC