Coimbra  15 de Março de 2025 | Director: Lino Vinhal

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A bordo de “Alfa”, o primeiro álbum de Beatriz Rosário

8 de Março 2025 Jornal Campeão: A bordo de “Alfa”, o primeiro álbum de Beatriz Rosário

Nascida em Coimbra, – e com raízes no Fado -, a paixão pela música levou Beatriz Rosário a querer desbravar caminho e conhecer outras realidades. Em Lisboa, descobriu novas sonoridades e ritmos que lhe permitiram criar uma fusão entre a tradição e a modernidade. Essa união deu origem ao primeiro álbum da cantora, lançado a 21 de Fevereiro. Composto por 14 faixas, “Alfa” simboliza as viagens feitas entre as duas cidades, que resultaram numa “Madalena” do século XXI. O “Campeão das Províncias” entrou a bordo deste comboio e esteve à conversa com a artista.

 

Campeão das Províncias [CP]: A Beatriz assume uma identidade muito própria ao aliar a tradição da música portuguesa com novas sonoridades e novos ritmos. Esta é uma forma de tornar o seu trabalho diferenciador?

Beatriz Rosário [BR]: Eu não me arrisco a dizer que aquilo que eu estou a fazer é a coisa mais diferente, mas eu confio que é um estilo com muita verdade, que abrange todas as pessoas de várias idades. Estou muito feliz com este percurso. Não com o objectivo de me diferenciar do que existe, mas com o objectivo de procurar sempre o que me motiva na música: essa busca constante por algo novo. Esse algo novo, neste momento, baseia-se nesta fusão de algo português com uma abordagem mais contemporânea, mais pop.

 

[CP]: Ter nascido em Coimbra, uma cidade ligada ao Fado, foi importante na escolha desse caminho?

[BR]: Foi muito importante. Coimbra é uma cidade tradicional. A minha família também sempre ouviu muita música portuguesa de grandes figuras em Portugal, como Amália Rodrigues. O Fado de Coimbra sempre esteve presente em toda a minha vida, porque foi a cidade onde nasci e onde estudei. Portanto, Coimbra foi importante até para trazer a sonoridade de Tuna, que marca o início deste álbum, com “Coimbra Tem Mais Encanto” e “Madalena”.

 

[CP]: Como referiu, a sua família, nomeadamente, os seus avós, também tiveram um papel importante neste seu gosto pelo Fado. No que diz respeito às novas sonoridades, onde é que vai buscar a inspiração?

[BR]: Eu gosto mesmo muito de música. Sempre gostei imenso de cantar e, para mim, a música é um escape. Portanto, eu acho que essa inspiração é muito natural fruto desse gosto que tenho pelas canções. Há vários artistas que eu adoro, desde Amália Rodrigues, C. Tangana, Rosalía. São artistas que me influenciam, de alguma forma, a fazer esta constante mudança e este constante crescimento na música.

 

[CP]: O seu primeiro álbum, “Alfa”, simboliza as viagens que faz entre Coimbra e Lisboa. O disco representa essa dualidade entre a tradição de uma e a modernidade de outra?

[BR]: Sim, de alguma maneira também. É como se a “Madalena” fosse uma espécie de heterónimo e eu estivesse a personificar um bocadinho o seu papel. É a Madalena do século XXI como resposta à Madalena do passado, da música que é cantada por todos os estudantes. Essa Madalena personifica um bocadinho esse contraste de saída de uma cidade que adora, – mas que tem um cunho histórico e tradicional muito preponderante -, e tem o desejo de conhecer novos mundos. Esse sentido levou-a, neste primeiro álbum, até Lisboa, onde viveu imensas histórias de vida, que estão representadas em cada música que eu escrevi. É como se cada canção representasse uma nova estação dessa viagem a um novo estágio de vida; como se entre Coimbra e Lisboa existissem três estações, e essas estações têm uma nova história. Há sempre uma mensagem em todas as músicas.

 

[CP]: O álbum inclui canções emblemáticas, como “Coimbra Tem Mais Encanto” e “Madalena”. Quando se dá uma nova roupagem a músicas como estas, há algum receio da forma como o público as vai receber?

[BR]: Sim, há sempre uma dúvida, porque realmente há pessoas muito fiéis àquilo que é a tradição. Então, surge sempre essa questão de “será que as pessoas vão gostar destas alterações?”. No entanto, honestamente, o feedback tem sido mesmo muito positivo. Tenho tido muitas partilhas de forma muito orgânica, por parte de várias pessoas, principalmente estudantes; e não só em Coimbra, mesmo em outras cidades, têm partilhado bastante os dois temas.

 

[CP]: No caso, “Madalena” estava tradicionalmente reservada a tunas masculinas, mas a Beatriz traz uma versão feminina da canção. A música pode ser usada como uma forma de quebrar estereótipos?

[BR]: Sim, eu acho que a Arte faz questionar, e, às vezes, incomoda algumas pessoas, porque as põe num sítio de desconforto e foge um bocadinho do paradigma social. A Estudantina Universitária de Coimbra aceitou cantar comigo e fazer parte desta “Madalena” do século XXI, mas, efectivamente, em Portugal, em Coimbra, quem canta a Madalena típica só são os homens. E o Fado de Coimbra é caracterizado por ser cantado por homens. Portanto, eu acho que esta Madalena também é um abrir de portas ou faz questionar algumas mentes mais tradicionais que, à partida, estão incutidas a pensar que aquele estilo é único e exclusivamente reservado a homens. Talvez, com estas acções, comecem a pensar que há outras maneiras bonitas de poder representar o género.

 

[CP]: O “Alfa” é uma conquista, mas também um ponto de partida para uma carreira, há muito, ambicionada pela Beatriz?

[BR]: Sim, nós já tínhamos começado esta carreira com o EP “Rosário”, que foi um pontapé de partida fantástico. Teve uma receptividade brutal por parte da crítica musical e por parte das pessoas, mas, realmente, nunca tinha tido este meu primeiro álbum enquanto Beatriz Rosário. Ser possível alcançá-lo, agora, em 2025, deixa-me mesmo muito feliz. Portanto, é continuar. Tudo no tempo certo.

Entrevista: Cátia Barbosa (Jornalista do “Campeão” no Porto)

Publicada na edição em papel do Campeão das Províncias de 6 de Março de 2025